A PELE OU A CARNE OU O CORPO; OU NENHUM DELES
O corpanzil delimitado
Peso medida espaço
Espesso volume
Extenso cardume de “eus”
Armários de almas
Caixote de rostos
Gaveta de faces
Pedaços inteiros de todos
Tolos delírios do “uno”
Vômito de Cronos
Massa.
De imitado corpo anil
Céu e pretendido mar
No meio... o meio
O marejar, marestar, marandar
Navegar na carne
Além da carne; estar
Na pele o meio
Mais profundo
Abismo
Epidérmico.
Ronie Von Rosa Martins
"...quando precisa inventar novos conceitos para terras desconhecidas, caem os métodos e as morais, e pensar torna-se, como diz Foucault, um "ato arriscado", uma violência que se exerce primeiro sobre si mesmo." (DELEUZE,Gilles. Conversações.p.128)
sábado, 26 de dezembro de 2009
Comer: da arte de dizer a comida ao fato de fazê-la ser além da comida; verbo
Comer: da arte de dizer a comida ao fato de fazê-la ser além da comida; verbo
Colherei o grão da minha angústia
Plantarei árvores de abismos
Raízes distantes em tempo espaço e discursos
Mastigarei-as
Em danças caóticas de peiote e
Explodirei meu corpo em tantos e vários outros
Grãos.
E em cada vão.
Em cada frincha, fresta
Produzir a festa da não-razão
E os loucos todos convidar
A grande festa do meu devaneio; nosso
No fosso raso da minha verve
Redigir em palavra ilegível
Em gramática do delírio
Todo pergaminho que se perde
Na impossibilidade da língua
Com a língua
Lamber salivante a régia flor
Das certezas claras
Lambuzar os corpos
Exatos e enxutos de todo discurso hermético
Herético, dançar nos altares a ingenuidade da história
Beber todos os líquidos sagrados
Devorar na carne toda a carne sacra
Todas as páginas místicas
Palavra por palavra
Pantagruel empanturrado; Artaud explodindo
Corpo e loucura, mente e moral
E alterar o verbo e a verve
O fluxo e o curso
De qualquer, breve
E profundo pensar.
Ronie Von Rosa Martins
Colherei o grão da minha angústia
Plantarei árvores de abismos
Raízes distantes em tempo espaço e discursos
Mastigarei-as
Em danças caóticas de peiote e
Explodirei meu corpo em tantos e vários outros
Grãos.
E em cada vão.
Em cada frincha, fresta
Produzir a festa da não-razão
E os loucos todos convidar
A grande festa do meu devaneio; nosso
No fosso raso da minha verve
Redigir em palavra ilegível
Em gramática do delírio
Todo pergaminho que se perde
Na impossibilidade da língua
Com a língua
Lamber salivante a régia flor
Das certezas claras
Lambuzar os corpos
Exatos e enxutos de todo discurso hermético
Herético, dançar nos altares a ingenuidade da história
Beber todos os líquidos sagrados
Devorar na carne toda a carne sacra
Todas as páginas místicas
Palavra por palavra
Pantagruel empanturrado; Artaud explodindo
Corpo e loucura, mente e moral
E alterar o verbo e a verve
O fluxo e o curso
De qualquer, breve
E profundo pensar.
Ronie Von Rosa Martins
segunda-feira, 14 de dezembro de 2009
PEDRO
Ronie Von Rosa Martins
Entre as mãos, pressionado pela estrutura física da carne, do osso que sustenta, mas também oprime por também ser obstáculo, peso, parede. Pulsava(?) prisioneiro do próprio corpo engendrado para si. O cérebro.
Nas mãos encharcadas, embebidas no suor das têmporas-nectar das dúvidas e angústias, ele sentia, percebia a aflição de seu intelecto comprimido...
Paredes... tudo eram paredes. Da carne ao tijolo. Tudo que prendia e resumia. Reduzia. Tudo eram paredes. Suas paredes.
Na escuridão circunstancial do não olhar, ele percebia os vultos negros das nuanças da própria sombra que o envolvia e invadia. Possuído pelo demônio da dependência, filho maldito do torpor... atrelado estava à rima simplória, mas vital, da batida cardíaca.
Talvez se abrisse os olhos e enfrentasse além do seu rosto/máscara de carne velha e dissimulada –sua essência, sentido/alma que de tão profunda jamais conhecera. Talvez na pele? Capacidade de se compreender?
Mas o cérebro. Abraçado ao frágil coração gritava-lhe do cárcere onde se encontrava que compreender a si mesmo era coisa de coragem, de desprendimento. E eles eram fracos, débeis na sua condição retórica. Voláteis.
E a umidade das mãos agora ficava mais amarga, pois o fel de sua alma deslisava silenciosamente por sua pele.
Quanto tempo fazia? Quarenta voltas os ponteiros indiferentes da morte já haviam dado ao redor de sua cabeça?
Sair. Levantar.
Tentava sem sucesso tais ordem ao prisioneiro conformado que se distanciava em uma valsa insensata de antigas e novas imagens-reais-ilusórias, de frases ditas e outras nunca mencionadas. Não havia resgate para o encarcerado que se implodia em incoerências. A razão é coerente?
Entre os dedos da mão escorria sua sanidade, fluindo para o esgoto/desgosto? Toda sua capacidade de percepção. Fronteiras ruíam.
E as dias mão que seguravam, agora chacavam-se débeis, delirantes. Surdo aplauso seco. Único. Ploft.
E ser já não era, agora, o que se fora outrora.
Então abriu os olhos. No aço do espelho seus olhos do outro o fitaram. De quem eram aqueles olhos cravados na sua carne. Aquela carne moldada em seu idêntico rosto?
De quem era o organismo tecido em seu espelho?
O que era aquele corpo que na realidade do espelho, na “verdade” do reflexo se escrevia, se inscrevia em seu texto. sem nome e em desalinho?
Na antítese que se instaurava se criara; e na mesma intensidade em que em volume, massa e peso se gerava, também pelo olho - no aço que o encarava – tão simples fácil se rendia. No leito estranho do desespero se permitia outro sono de falácias. Sonhos?
Do outro lado da porta. Sons.
Porta? Lado?
Espalmada a mão na parede fria. Realidade instaurada na solidez do prédio.
A mesma parede que esmaga também protege. O espelho sorriu. A carne ficou indiferente, intacta na ruptura interna da estrutura que se partia.
Qual porta estava fechada? a porta da lúcida madeira? Que se abria de súbito unindo dimensões fantásticas de todos os desatinos.
Estava nu. Desprovido dos panos. Encobrir as vergonhas. Nesta constatação eventual a carne se abriu em gargalhada infindável entre o espaço do aço do espelho e o reflexo da corpo. Carne entre o corpo de espelho e o reflexo do corpo.
Silêncio!
Sérios se olharam – decrépitos ambos.
No ar do olho que se encherga dentro do seu mesmo olho, cicatriza o distante; mesmo que no próximo olho que se vê diante, já se perca no profundo espaço do que já fora antes.
No piscar de ambos que se defrontam o que se alcança são só molduras...
Casado. Não está preso. Casado. Aliança no dedo. Dinheiro eroupa não.
Onde a sombra que se pretende homem? Na escuridão deste apodrecer?
Corpo ereto. Alto. Esguio, curvo. Respira a densidade negra que o emoldura. Pretende um grito. Forte, sacro/santo, mas e voz de onde?
Cadê palavras nessa boca murcha que se costura. Onde atitude nessa massa pálida que se constitui?
Onde a sintaxe da texitura deste verbo que não se estrutura. Dessa frase que não se coaduna. Cadê a palavra que neste deserto subserviente se abandona?
Noolho do teu olho no reflexo do teu despojo, no cérebro preso ao osso que o protege; congelas num segundo o tempo que te engendra; do materno exílio ao parto onde te encontras. Olho no olho no olho do teu próprio olho... Infindavelmente. Nesse espelho que não existe. Deste quarto que não desistes. Neste berro que ecoa.
A mão cansada que no movimento se afoga na densa massa que te engole – escuro – onde tudo se confunde. Vago fundo do teu quarto nu. A chave solta pende morta no fio que a conduz a luz.
E no passo que teu peso grita noutro espaço teu corpo afunda. No além da porta-luz.
Luz que te agride o corpo que reduz.
Pardais cinzentos em bandos te observam através do vidro da parede. No muro que individualiza, singulariza os espaços do mesmo. Delimitam os passos de cada um.
Abertos os vidros que iludem com as imagens das coisas. Respiras a terra.
Tudo é terra.
Vestindo as roupas, vestia também seu nome. Novamente recriado a personagem para o dia. Pedro. Pedra que se submete ao formão e ao martelo do escultor. Ao martelo.
A cada amanhecer recriava-se novamente a entidade Pedro. Vestido como Pedro. Pensando como Pedro, agindo como Pedro. Falando. Só lhe era permitido ser o não-pedro à noite e só. Quando despia-se do rótulo que o algemava ao ícone Pedro. Mas nem isso entendia.
Pedro Salinas. Pedra de sal. Desmanchava na singularidade coletiva de todos. Que também se resumiam.
Em um passo de tempo em que sua forma, imagem e sombra traça, mente, cérebro se afastam. Foge, mas em vão não encontra alma alguma. Corpo e carne e osso que sustenta o vulto já bastam, fartam... então parte.
Mesmo sendo pedra consegue ser mais ausência.
Massa de anti-matéria que perambula pelo universo. De qualquer folha o verso. Não o que canta a dor e a idolatra, mas sim as costas. O resto de qualquer escritura. Sepultura?
Findo o trabalho. Traz sua bunda magra e ossuda para o assento gasto da poltrona que lhe abraça. Engole e consome.
Click. E faz-se a luz. De volta.
O calo.
Não fala.
Nada diz.
Calado retira o sapato.
Na térmica ainda água.
O mate?
Morto. Todos os sonhos.
Sorve toda a amargura.
O calo lateja em sua profunda e singular sintonia.
Retira a meia. Entre o dedinho e o outro. Sem emoção. Com as unhas...
Arrancado, desmembrado o inimigo. Tinge o dedo o sangue, também o pé e o chão.
Vai chover?
Quanto mesmo? Quarenta?
Levanta-se.
É preciso fazer alguma coisa.
Entre as mãos, pressionado pela estrutura física da carne, do osso que sustenta, mas também oprime por também ser obstáculo, peso, parede. Pulsava(?) prisioneiro do próprio corpo engendrado para si. O cérebro.
Nas mãos encharcadas, embebidas no suor das têmporas-nectar das dúvidas e angústias, ele sentia, percebia a aflição de seu intelecto comprimido...
Paredes... tudo eram paredes. Da carne ao tijolo. Tudo que prendia e resumia. Reduzia. Tudo eram paredes. Suas paredes.
Na escuridão circunstancial do não olhar, ele percebia os vultos negros das nuanças da própria sombra que o envolvia e invadia. Possuído pelo demônio da dependência, filho maldito do torpor... atrelado estava à rima simplória, mas vital, da batida cardíaca.
Talvez se abrisse os olhos e enfrentasse além do seu rosto/máscara de carne velha e dissimulada –sua essência, sentido/alma que de tão profunda jamais conhecera. Talvez na pele? Capacidade de se compreender?
Mas o cérebro. Abraçado ao frágil coração gritava-lhe do cárcere onde se encontrava que compreender a si mesmo era coisa de coragem, de desprendimento. E eles eram fracos, débeis na sua condição retórica. Voláteis.
E a umidade das mãos agora ficava mais amarga, pois o fel de sua alma deslisava silenciosamente por sua pele.
Quanto tempo fazia? Quarenta voltas os ponteiros indiferentes da morte já haviam dado ao redor de sua cabeça?
Sair. Levantar.
Tentava sem sucesso tais ordem ao prisioneiro conformado que se distanciava em uma valsa insensata de antigas e novas imagens-reais-ilusórias, de frases ditas e outras nunca mencionadas. Não havia resgate para o encarcerado que se implodia em incoerências. A razão é coerente?
Entre os dedos da mão escorria sua sanidade, fluindo para o esgoto/desgosto? Toda sua capacidade de percepção. Fronteiras ruíam.
E as dias mão que seguravam, agora chacavam-se débeis, delirantes. Surdo aplauso seco. Único. Ploft.
E ser já não era, agora, o que se fora outrora.
Então abriu os olhos. No aço do espelho seus olhos do outro o fitaram. De quem eram aqueles olhos cravados na sua carne. Aquela carne moldada em seu idêntico rosto?
De quem era o organismo tecido em seu espelho?
O que era aquele corpo que na realidade do espelho, na “verdade” do reflexo se escrevia, se inscrevia em seu texto. sem nome e em desalinho?
Na antítese que se instaurava se criara; e na mesma intensidade em que em volume, massa e peso se gerava, também pelo olho - no aço que o encarava – tão simples fácil se rendia. No leito estranho do desespero se permitia outro sono de falácias. Sonhos?
Do outro lado da porta. Sons.
Porta? Lado?
Espalmada a mão na parede fria. Realidade instaurada na solidez do prédio.
A mesma parede que esmaga também protege. O espelho sorriu. A carne ficou indiferente, intacta na ruptura interna da estrutura que se partia.
Qual porta estava fechada? a porta da lúcida madeira? Que se abria de súbito unindo dimensões fantásticas de todos os desatinos.
Estava nu. Desprovido dos panos. Encobrir as vergonhas. Nesta constatação eventual a carne se abriu em gargalhada infindável entre o espaço do aço do espelho e o reflexo da corpo. Carne entre o corpo de espelho e o reflexo do corpo.
Silêncio!
Sérios se olharam – decrépitos ambos.
No ar do olho que se encherga dentro do seu mesmo olho, cicatriza o distante; mesmo que no próximo olho que se vê diante, já se perca no profundo espaço do que já fora antes.
No piscar de ambos que se defrontam o que se alcança são só molduras...
Casado. Não está preso. Casado. Aliança no dedo. Dinheiro eroupa não.
Onde a sombra que se pretende homem? Na escuridão deste apodrecer?
Corpo ereto. Alto. Esguio, curvo. Respira a densidade negra que o emoldura. Pretende um grito. Forte, sacro/santo, mas e voz de onde?
Cadê palavras nessa boca murcha que se costura. Onde atitude nessa massa pálida que se constitui?
Onde a sintaxe da texitura deste verbo que não se estrutura. Dessa frase que não se coaduna. Cadê a palavra que neste deserto subserviente se abandona?
Noolho do teu olho no reflexo do teu despojo, no cérebro preso ao osso que o protege; congelas num segundo o tempo que te engendra; do materno exílio ao parto onde te encontras. Olho no olho no olho do teu próprio olho... Infindavelmente. Nesse espelho que não existe. Deste quarto que não desistes. Neste berro que ecoa.
A mão cansada que no movimento se afoga na densa massa que te engole – escuro – onde tudo se confunde. Vago fundo do teu quarto nu. A chave solta pende morta no fio que a conduz a luz.
E no passo que teu peso grita noutro espaço teu corpo afunda. No além da porta-luz.
Luz que te agride o corpo que reduz.
Pardais cinzentos em bandos te observam através do vidro da parede. No muro que individualiza, singulariza os espaços do mesmo. Delimitam os passos de cada um.
Abertos os vidros que iludem com as imagens das coisas. Respiras a terra.
Tudo é terra.
Vestindo as roupas, vestia também seu nome. Novamente recriado a personagem para o dia. Pedro. Pedra que se submete ao formão e ao martelo do escultor. Ao martelo.
A cada amanhecer recriava-se novamente a entidade Pedro. Vestido como Pedro. Pensando como Pedro, agindo como Pedro. Falando. Só lhe era permitido ser o não-pedro à noite e só. Quando despia-se do rótulo que o algemava ao ícone Pedro. Mas nem isso entendia.
Pedro Salinas. Pedra de sal. Desmanchava na singularidade coletiva de todos. Que também se resumiam.
Em um passo de tempo em que sua forma, imagem e sombra traça, mente, cérebro se afastam. Foge, mas em vão não encontra alma alguma. Corpo e carne e osso que sustenta o vulto já bastam, fartam... então parte.
Mesmo sendo pedra consegue ser mais ausência.
Massa de anti-matéria que perambula pelo universo. De qualquer folha o verso. Não o que canta a dor e a idolatra, mas sim as costas. O resto de qualquer escritura. Sepultura?
Findo o trabalho. Traz sua bunda magra e ossuda para o assento gasto da poltrona que lhe abraça. Engole e consome.
Click. E faz-se a luz. De volta.
O calo.
Não fala.
Nada diz.
Calado retira o sapato.
Na térmica ainda água.
O mate?
Morto. Todos os sonhos.
Sorve toda a amargura.
O calo lateja em sua profunda e singular sintonia.
Retira a meia. Entre o dedinho e o outro. Sem emoção. Com as unhas...
Arrancado, desmembrado o inimigo. Tinge o dedo o sangue, também o pé e o chão.
Vai chover?
Quanto mesmo? Quarenta?
Levanta-se.
É preciso fazer alguma coisa.
De homens e dúvidas
Um homem. Sempre é uma prisão dele mesmo. Acredita ser um, uno; e é tantos e vários. E não entende. E nos moldamos ao que não somos. Para ser...
Custamos a entender que tudo isso nada mais é que formatação. Somos formatados e nos condicionamos em determinado grupo, neste ou naquele lugar. Mas precisamos disso. O que é pior. O ser humano tem a necessidade terrível de fazer parte. E somos trabalhados desde pequenos a nos posicionarmos para este ou aquele lado. Todos os discursos que nos constituem são produtos de condições circunstanciais. Família, escola, amigos, região, partido político, mídia... somos uma constituição de vontades outras. Discursos outros. E isso tudo é tão bem amalgamado em nossa carne e espírito, que acreditamos na singularidade de nossas vozes, de nossa forma de pensar. Quando não passamos de meros ecos dentre os discursos.
Antonin Artaud em sua sábia loucura falava em “explodir” esse corpo organizado previamente afim de conseguirmos ver e sentir quem realmente somos. O que somos?
Ele estava certo. Gostaria de me “descascar” infinitamente, como uma cebola e ver no que dava. Como um texto já lido por tantas vezes cheio de jargões que é definitivamente apagado. Uma borracha apagando palavra por palavra daquilo que nos “disseram” que éramos.
Afogar este “eu” cartesiano num balde de água fria e fazer com que liberte os tantos outros “eus” que habitam nossa existência. Quantos somos?
Protegemos-nos tanto em paredes que já não distinguimos nossa carne. Somos sempre paredes. E nos escondemos das possibilidades outras e várias que surgem.
Ao abrirmos a boca. A tecla play de nosso gravador é acionada, e nos entediamos a ouvir as mesmas coisas que sempre dizemos. Achando que aquela “palavra” é singular e única. Minha palavra. E o pior. Acreditamos sem questionar. Sem enfrentar. É assim. Ponto. Aceitação.
Docilidade. Uma das palavras de Foucault. Docilizaram nossa alma, nosso corpo, e acreditamos que isso era bom. Inventaram o pecado e nos disseram que éramos todos culpados e que deveríamos sofrer. E ficamos felizes em sofrer.
Nossa cara é a mesma cara. A mesma cara de todos. Todos com a mesma cara, o mesmo rosto. Nos olhamos nos outros sem nos vermos... Nem ao outro. Máscaras.
Eterno carnaval. Pior. Pois não há a espontaneidade nem a embriagues que de certa forma libera o corpo e a alma. E nos abraçamos em nossos muros, em nossas paredes. Um eterno afastar-se. Um eterno proteger-se. Todos escondidos na pele, na carne, no mesmo rosto que não vê.
Como os detritos dos esgotos, flutuamos (a maioria) nas águas lamacentas do senso comum, da doxa. E acreditamos piamente estarmos certos. É assim. E assim será. Será?
Deleuze já falava em pensar o pensamento, questionar o que se pensa, a forma que se pensa... E duvidar. Não duvidar para negar. Mas para “talvez” acreditar? Não falo em niilismo, negação... falo simplesmente em pensar o que se pensa e porque se pensa dessa forma e não da outra. O que nos faz acreditar nisso e não naquilo.
E entender que o pensar é livre, não deve se agrilhoar à religião, política, cultura ou grupos, pensar está além da região ou dos espaços que resumem e determinam o pensamento. O pensamento não é escravo de doutrinas ou moral alguma. E não devemos (creio eu) usa-lo para confirmar conceitos pré-definidos e ideologias estabelecidas, pois dessa forma o usamos “como escravo” para defender e “justificar” o que deve ser questionado. Se penso para receber uma resposta que me agrada, não estou pensando, estou meramente elencando argumentos para comprovar a “opinião”. Minha opinião. E a opinião é fruto de vozes ambíguas, seqüestradas por sentimentos de raça, religião, território, poder, vontade e prazer.
O pensamento não é “opinião”. Definitivamente. A opinião é meramente a máscara, decorada com os vários textos e discursos que nos compõem. Eco.
Ronie Von Martins
Custamos a entender que tudo isso nada mais é que formatação. Somos formatados e nos condicionamos em determinado grupo, neste ou naquele lugar. Mas precisamos disso. O que é pior. O ser humano tem a necessidade terrível de fazer parte. E somos trabalhados desde pequenos a nos posicionarmos para este ou aquele lado. Todos os discursos que nos constituem são produtos de condições circunstanciais. Família, escola, amigos, região, partido político, mídia... somos uma constituição de vontades outras. Discursos outros. E isso tudo é tão bem amalgamado em nossa carne e espírito, que acreditamos na singularidade de nossas vozes, de nossa forma de pensar. Quando não passamos de meros ecos dentre os discursos.
Antonin Artaud em sua sábia loucura falava em “explodir” esse corpo organizado previamente afim de conseguirmos ver e sentir quem realmente somos. O que somos?
Ele estava certo. Gostaria de me “descascar” infinitamente, como uma cebola e ver no que dava. Como um texto já lido por tantas vezes cheio de jargões que é definitivamente apagado. Uma borracha apagando palavra por palavra daquilo que nos “disseram” que éramos.
Afogar este “eu” cartesiano num balde de água fria e fazer com que liberte os tantos outros “eus” que habitam nossa existência. Quantos somos?
Protegemos-nos tanto em paredes que já não distinguimos nossa carne. Somos sempre paredes. E nos escondemos das possibilidades outras e várias que surgem.
Ao abrirmos a boca. A tecla play de nosso gravador é acionada, e nos entediamos a ouvir as mesmas coisas que sempre dizemos. Achando que aquela “palavra” é singular e única. Minha palavra. E o pior. Acreditamos sem questionar. Sem enfrentar. É assim. Ponto. Aceitação.
Docilidade. Uma das palavras de Foucault. Docilizaram nossa alma, nosso corpo, e acreditamos que isso era bom. Inventaram o pecado e nos disseram que éramos todos culpados e que deveríamos sofrer. E ficamos felizes em sofrer.
Nossa cara é a mesma cara. A mesma cara de todos. Todos com a mesma cara, o mesmo rosto. Nos olhamos nos outros sem nos vermos... Nem ao outro. Máscaras.
Eterno carnaval. Pior. Pois não há a espontaneidade nem a embriagues que de certa forma libera o corpo e a alma. E nos abraçamos em nossos muros, em nossas paredes. Um eterno afastar-se. Um eterno proteger-se. Todos escondidos na pele, na carne, no mesmo rosto que não vê.
Como os detritos dos esgotos, flutuamos (a maioria) nas águas lamacentas do senso comum, da doxa. E acreditamos piamente estarmos certos. É assim. E assim será. Será?
Deleuze já falava em pensar o pensamento, questionar o que se pensa, a forma que se pensa... E duvidar. Não duvidar para negar. Mas para “talvez” acreditar? Não falo em niilismo, negação... falo simplesmente em pensar o que se pensa e porque se pensa dessa forma e não da outra. O que nos faz acreditar nisso e não naquilo.
E entender que o pensar é livre, não deve se agrilhoar à religião, política, cultura ou grupos, pensar está além da região ou dos espaços que resumem e determinam o pensamento. O pensamento não é escravo de doutrinas ou moral alguma. E não devemos (creio eu) usa-lo para confirmar conceitos pré-definidos e ideologias estabelecidas, pois dessa forma o usamos “como escravo” para defender e “justificar” o que deve ser questionado. Se penso para receber uma resposta que me agrada, não estou pensando, estou meramente elencando argumentos para comprovar a “opinião”. Minha opinião. E a opinião é fruto de vozes ambíguas, seqüestradas por sentimentos de raça, religião, território, poder, vontade e prazer.
O pensamento não é “opinião”. Definitivamente. A opinião é meramente a máscara, decorada com os vários textos e discursos que nos compõem. Eco.
Ronie Von Martins
UM BRANCO
UM BRANCO
Ronie Von Rosa Martins
Pasma
A caneta afasta o bico
do papel.
E a folha que se faz deserta
Faz-se falha.
A mão
Que o objeto prende
Na sua ânsia treme.
Angustia de não ser falha
E na folha cicatrizar o verbo
A beleza da nossa fala.
Silêncio!!!
Descansa lívida e pálida a folha enorme!
Treme a mão e a caneta dorme.
Neste momento;
Neste tormento que o ponteiro mostra.
E o grito e a noite...
E os passos que distante vão?
Minha mão repleta
De um profundo não.
Ronie Von Rosa Martins
Pasma
A caneta afasta o bico
do papel.
E a folha que se faz deserta
Faz-se falha.
A mão
Que o objeto prende
Na sua ânsia treme.
Angustia de não ser falha
E na folha cicatrizar o verbo
A beleza da nossa fala.
Silêncio!!!
Descansa lívida e pálida a folha enorme!
Treme a mão e a caneta dorme.
Neste momento;
Neste tormento que o ponteiro mostra.
E o grito e a noite...
E os passos que distante vão?
Minha mão repleta
De um profundo não.
sábado, 12 de dezembro de 2009
sexta-feira, 11 de dezembro de 2009
O GUARDA-CHUVA
O guarda-chuva
Ronie Von Martins
Contam os mais antigos - normalmente cercados pelos olhos arregalados das crianças da família e com certeza diante da lareira nos dias frios e chuvosos do inverno - a história do tal guarda-chuva.
Era noite, na rua somente o silêncio e o medo. E ele, o homem. Grande capote preto. A garoa molhava seu rosto lentamente. Pois dizem que este homem, que voltava pra casa... E aqui não contam o que fazia fora de casa; perdido na chuva, trilhava pelas ruas da então jovem cidade de Pedro Osório, mais especificamente na Rua das Flores.
O cérebro conjeturando sobre os afazeres da vida e os prazeres e dissabores da existência. Sombra fraca e trêmula presa aos pés, pouca iluminação na rua.
Nesta época contam que a escuridão era soberana. E o medo também.
Pois bem, foi neste dia que ele voltava pra casa, mãos no bolso e cabeça nas nuvens, que tudo aconteceu. E depois dele, muitos outros também viram. E o que aqui conto é o relato que venho ouvindo de geração em geração nas rodas de conversa da minha família.
Sozinho com seus problemas, absorto em seus pensamentos, ele não percebeu o outro. Não tinha visto nem de onde e nem quando. Só sabia que ali estava.
Homem acostumado a não se assustar por pouca coisa - “matou” um arrepio que lhe subia pelas costas no peito e seguiu.
O outro homem portava um enorme guarda-chuva negro, grande morcego que se movimentava de acordo com o movimento dos passos da pessoa que o retinha.
E um frio antes não percebido começou a se fazer presente. Um frio que começava a invadir os ossos dele; acreditava ser a chuva. Estava molhado e um início de resfriado se insinuava... Febre?
Já caminhara – pelos seus cálculos – muitos metros, mas mesmo assim não chegava nunca em sua casa. O guarda-chuva sempre na frente. Silêncio mortal. Pesado. Nem os cães nem os gatos davam discurso na noite. Só os passos. Os passos dele.
Ficou intrigado. Estavam próximos, mas só ouvia os seus passos, não conseguia ouvir os passos do outro homem.
Tentou ver os pés. Mas a escuridão não permitia silhuetas, só a imaginação delimitava formas.
O coração dele começou a bater mais forte, e algo começou a zombar de sua coragem bem lá dentro do seu peito.
Neste momento já estava empapado de água da chuva, resolveu tirar tudo a limpo e enfrentar o homem que caminhava rapidamente a sua frente. Correu até ele e estancou na sua frente.
O mundo parou. Os relógios trancaram no horário que ali afirmava aquele bizarro encontro.
Sob o guarda chuva não havia ninguém, apenas a escuridão da noite. A parte mais escura, o espaço de todos os medos, o vazio de todos os silêncios e o silêncio de todos os gritos.
Medo. Dúvida. Temor. A rua de repente tornou-se negra como o breu, todas as luzes se apagaram e ele foi tragado pelo desespero.
Com dificuldade conseguiu afastar-se, e tropeçando e chocando-se pelas paredes das casas se pôs a correr o mais rápido que podia. Só que o guarda-chuva, inspirado pelo seu pavor, também lhe perseguia, em silêncio.
Corrida silenciosa e ofegante pelas Rua das Flores. Chegou em casa pálido como a morte. A mulher não conseguia entender nada. Nem ele.
Ronie Von Martins
Contam os mais antigos - normalmente cercados pelos olhos arregalados das crianças da família e com certeza diante da lareira nos dias frios e chuvosos do inverno - a história do tal guarda-chuva.
Era noite, na rua somente o silêncio e o medo. E ele, o homem. Grande capote preto. A garoa molhava seu rosto lentamente. Pois dizem que este homem, que voltava pra casa... E aqui não contam o que fazia fora de casa; perdido na chuva, trilhava pelas ruas da então jovem cidade de Pedro Osório, mais especificamente na Rua das Flores.
O cérebro conjeturando sobre os afazeres da vida e os prazeres e dissabores da existência. Sombra fraca e trêmula presa aos pés, pouca iluminação na rua.
Nesta época contam que a escuridão era soberana. E o medo também.
Pois bem, foi neste dia que ele voltava pra casa, mãos no bolso e cabeça nas nuvens, que tudo aconteceu. E depois dele, muitos outros também viram. E o que aqui conto é o relato que venho ouvindo de geração em geração nas rodas de conversa da minha família.
Sozinho com seus problemas, absorto em seus pensamentos, ele não percebeu o outro. Não tinha visto nem de onde e nem quando. Só sabia que ali estava.
Homem acostumado a não se assustar por pouca coisa - “matou” um arrepio que lhe subia pelas costas no peito e seguiu.
O outro homem portava um enorme guarda-chuva negro, grande morcego que se movimentava de acordo com o movimento dos passos da pessoa que o retinha.
E um frio antes não percebido começou a se fazer presente. Um frio que começava a invadir os ossos dele; acreditava ser a chuva. Estava molhado e um início de resfriado se insinuava... Febre?
Já caminhara – pelos seus cálculos – muitos metros, mas mesmo assim não chegava nunca em sua casa. O guarda-chuva sempre na frente. Silêncio mortal. Pesado. Nem os cães nem os gatos davam discurso na noite. Só os passos. Os passos dele.
Ficou intrigado. Estavam próximos, mas só ouvia os seus passos, não conseguia ouvir os passos do outro homem.
Tentou ver os pés. Mas a escuridão não permitia silhuetas, só a imaginação delimitava formas.
O coração dele começou a bater mais forte, e algo começou a zombar de sua coragem bem lá dentro do seu peito.
Neste momento já estava empapado de água da chuva, resolveu tirar tudo a limpo e enfrentar o homem que caminhava rapidamente a sua frente. Correu até ele e estancou na sua frente.
O mundo parou. Os relógios trancaram no horário que ali afirmava aquele bizarro encontro.
Sob o guarda chuva não havia ninguém, apenas a escuridão da noite. A parte mais escura, o espaço de todos os medos, o vazio de todos os silêncios e o silêncio de todos os gritos.
Medo. Dúvida. Temor. A rua de repente tornou-se negra como o breu, todas as luzes se apagaram e ele foi tragado pelo desespero.
Com dificuldade conseguiu afastar-se, e tropeçando e chocando-se pelas paredes das casas se pôs a correr o mais rápido que podia. Só que o guarda-chuva, inspirado pelo seu pavor, também lhe perseguia, em silêncio.
Corrida silenciosa e ofegante pelas Rua das Flores. Chegou em casa pálido como a morte. A mulher não conseguia entender nada. Nem ele.
Uma rua nunca é “só” uma rua
Uma rua nunca é “só” uma rua
Ronie Von Martins
Uma rua nunca é “só” uma rua. Uma rua é um mundo inteiro. E é neste mundo, novo mundo de casas que se olham e de pátios que se tocam que abrimos nossos olhos e estendemos nossos passos. Um passo nunca é “apenas” um passo. Assim como a rua, o passo também é mágico.
Penso nas ruas que se delineiam em minha memória. Casas que ainda me sussurram segredos. Cores antigas que ainda alegram as visões das minhas infância.
E ali. Nas ruas onde meus passos se inscrevem, ainda vejo as pessoas que mais ninguém vê. São minhas, também as pessoas, pois habitam minha memória, e o perfil que delas traço são únicos. Linhas tênues de suas existências que me olham das sombras, das janelas antigas; sob as árvores...
Vejo-me ali. Criança. Distante destes tempos que configuraram minha carne, meu corpo e minha palavra. Era apenas um “guri”, e minhas preocupações eram “caçar” Maria-gorda na valeta logo depois dos trilhos. Brincar de “pescar bonecos de plástico” com minha irmã e comer amoras em cima da amoreira, um Tarzan invadia meus pensamentos de “mandinho”, como os mais velhos me chamavam na escola.
Mágica. De uma sonoridade férrea, a rua se enchia do fluxo do ferro e das velocidades dos homens e dos trens que coabitavam e que amalgamavam. Homens de ferro, trilhos de carne, esperanças sinuosas como as linhas dos trilhos. O ferro era como o sangue que dava vida a minha rua e aos homens que nela pulsavam.
Ainda vejo um pai, sentado juntamente com outros tantos pais, em um trole, impulsionando o pequeno veículo com os pés. Deslizando pelos trilhos das alegrias infantis a descerem seus “ranchos”, mulheres sorrindo, crianças tagarelas e cachorros.
Vários cachorros... na minha infância não havia “cães”. E todo guri tinha um cachorro, e todo cachorro tinha no seu guri o melhor amigo do mundo. E na minha infância não havia o crescer, o trabalhar... estudar era uma imposição. “pra ser alguém na vida”... mas nós, as crianças já éramos tudo que queríamos ser. Éramos alegria, empolgação e imaginação.
As pequenas “calçadinhas” de nossas casas eram verdadeiras poltronas para as nossas conversas e risadas; que eram interrompidas pelos gritos das mães chamando para o banho e para a janta.
E antes de dormir, respirávamos as casas, os trilhos, os jogos, os amigos. Inflávamos os pulmões do ar mágico de nossa rua e nos rendíamos ao sono, que nos surpreendia sempre sorrindo.
E as vozes das casas diminuíam, os trilhos e suas velocidades e seus movimentos e seus caminhos todos, de repente se aninhavam ao nosso redor para cantar algumas antigas canções de dormir.
E nossas mães desligavam nossas ruas com a promessa de re-ligálas totalmente no outro dia.
Ronie Von Martins
Uma rua nunca é “só” uma rua. Uma rua é um mundo inteiro. E é neste mundo, novo mundo de casas que se olham e de pátios que se tocam que abrimos nossos olhos e estendemos nossos passos. Um passo nunca é “apenas” um passo. Assim como a rua, o passo também é mágico.
Penso nas ruas que se delineiam em minha memória. Casas que ainda me sussurram segredos. Cores antigas que ainda alegram as visões das minhas infância.
E ali. Nas ruas onde meus passos se inscrevem, ainda vejo as pessoas que mais ninguém vê. São minhas, também as pessoas, pois habitam minha memória, e o perfil que delas traço são únicos. Linhas tênues de suas existências que me olham das sombras, das janelas antigas; sob as árvores...
Vejo-me ali. Criança. Distante destes tempos que configuraram minha carne, meu corpo e minha palavra. Era apenas um “guri”, e minhas preocupações eram “caçar” Maria-gorda na valeta logo depois dos trilhos. Brincar de “pescar bonecos de plástico” com minha irmã e comer amoras em cima da amoreira, um Tarzan invadia meus pensamentos de “mandinho”, como os mais velhos me chamavam na escola.
Mágica. De uma sonoridade férrea, a rua se enchia do fluxo do ferro e das velocidades dos homens e dos trens que coabitavam e que amalgamavam. Homens de ferro, trilhos de carne, esperanças sinuosas como as linhas dos trilhos. O ferro era como o sangue que dava vida a minha rua e aos homens que nela pulsavam.
Ainda vejo um pai, sentado juntamente com outros tantos pais, em um trole, impulsionando o pequeno veículo com os pés. Deslizando pelos trilhos das alegrias infantis a descerem seus “ranchos”, mulheres sorrindo, crianças tagarelas e cachorros.
Vários cachorros... na minha infância não havia “cães”. E todo guri tinha um cachorro, e todo cachorro tinha no seu guri o melhor amigo do mundo. E na minha infância não havia o crescer, o trabalhar... estudar era uma imposição. “pra ser alguém na vida”... mas nós, as crianças já éramos tudo que queríamos ser. Éramos alegria, empolgação e imaginação.
As pequenas “calçadinhas” de nossas casas eram verdadeiras poltronas para as nossas conversas e risadas; que eram interrompidas pelos gritos das mães chamando para o banho e para a janta.
E antes de dormir, respirávamos as casas, os trilhos, os jogos, os amigos. Inflávamos os pulmões do ar mágico de nossa rua e nos rendíamos ao sono, que nos surpreendia sempre sorrindo.
E as vozes das casas diminuíam, os trilhos e suas velocidades e seus movimentos e seus caminhos todos, de repente se aninhavam ao nosso redor para cantar algumas antigas canções de dormir.
E nossas mães desligavam nossas ruas com a promessa de re-ligálas totalmente no outro dia.
terça-feira, 8 de dezembro de 2009
NA RUA
NA RUA
Ronie Martins
Um carro.Mais. Outro carro. Tantos. Pessoas várias. Uma. Duas. Todas. Rua. Uma e muitas. Intersecção. Curvas. Becos. Olhos. Dois. Diversos. Um silêncio; não. O som. O barulho, o ruído. Burburinho. Passos, pássaros? Improvável. Tolerável o contato. Corpo. Corpos. Desvios, choques. Odores. Suores. Braços. Movimentos... segmentos. Movimento e pausa. Continuidade. Continuação. O contínuo da ação. A palavra. Na boca. Na placa. No rádio. O discurso. A intenção. A sujeição. A imposição. O vidro e o cimento. Túmulo? Da donzela? Do conto das antigas fadas? Vitrine. Desejo e consumação. Angústia. Inveja. Prazer e frustração. Cansaços em degrade. Desilusão em várias nuance. Velocidade. Objetivo. Chegar. Ir e chegar... se der voltar... Voltar da rua. Dos caminhos tantos que não são nossos e também o são. O cão que perambula. O olfato atento. O homem, o flato nauseabundo. O odor do corpo e da rua. O corpo da rua e seu odor. A dor da rua e sua náusea. O cão. Pela mão a menina. Preso o corpo. A imaginação flutuante. Devora vitrines. Brinquedos e roupas, doces e salgados. Sonhos. Os sonhos da rua devoram-nos. Todos. Caminhar. Uma perna após a outra. Mover todas as instancias da carne. Produzir o movimento... Ir... Vir... Na rua que se perde sob os pés e cabeças e corpos e odores e presentes e dívidas e sorrisos e tristezas o pássaro voa. Distante. Há silêncio nas alturas de sua rua? Vastos e escassas carnes desfilam seus panos. Coloridos e estigmatizados com suas grifes. Estimativas de um valor hipotético. Virtual? Ondulantes carnes se oferecem, outras agridem, afrontam, zombam. Outras, sentadas em propícios ambientes, devoram cadáveres alegremente e bebem água, refrigerantes, café, cerveja e cachaça. Sóbrios começam a caminhada, alguns corpos... ébrios e tontos chegam... ou nunca. A rua é língua. Lascívia. Um olho que passa encontra outro e se encontram os corpos e se aproximam as vidas e se edificam histórias e memórias e famílias e lendas e mais corpos... para a rua. Entro no ônibus e fecho os olhos. Vou.
Ronie Martins
Um carro.Mais. Outro carro. Tantos. Pessoas várias. Uma. Duas. Todas. Rua. Uma e muitas. Intersecção. Curvas. Becos. Olhos. Dois. Diversos. Um silêncio; não. O som. O barulho, o ruído. Burburinho. Passos, pássaros? Improvável. Tolerável o contato. Corpo. Corpos. Desvios, choques. Odores. Suores. Braços. Movimentos... segmentos. Movimento e pausa. Continuidade. Continuação. O contínuo da ação. A palavra. Na boca. Na placa. No rádio. O discurso. A intenção. A sujeição. A imposição. O vidro e o cimento. Túmulo? Da donzela? Do conto das antigas fadas? Vitrine. Desejo e consumação. Angústia. Inveja. Prazer e frustração. Cansaços em degrade. Desilusão em várias nuance. Velocidade. Objetivo. Chegar. Ir e chegar... se der voltar... Voltar da rua. Dos caminhos tantos que não são nossos e também o são. O cão que perambula. O olfato atento. O homem, o flato nauseabundo. O odor do corpo e da rua. O corpo da rua e seu odor. A dor da rua e sua náusea. O cão. Pela mão a menina. Preso o corpo. A imaginação flutuante. Devora vitrines. Brinquedos e roupas, doces e salgados. Sonhos. Os sonhos da rua devoram-nos. Todos. Caminhar. Uma perna após a outra. Mover todas as instancias da carne. Produzir o movimento... Ir... Vir... Na rua que se perde sob os pés e cabeças e corpos e odores e presentes e dívidas e sorrisos e tristezas o pássaro voa. Distante. Há silêncio nas alturas de sua rua? Vastos e escassas carnes desfilam seus panos. Coloridos e estigmatizados com suas grifes. Estimativas de um valor hipotético. Virtual? Ondulantes carnes se oferecem, outras agridem, afrontam, zombam. Outras, sentadas em propícios ambientes, devoram cadáveres alegremente e bebem água, refrigerantes, café, cerveja e cachaça. Sóbrios começam a caminhada, alguns corpos... ébrios e tontos chegam... ou nunca. A rua é língua. Lascívia. Um olho que passa encontra outro e se encontram os corpos e se aproximam as vidas e se edificam histórias e memórias e famílias e lendas e mais corpos... para a rua. Entro no ônibus e fecho os olhos. Vou.
ESPREITA
ESPREITA
Ronie Von Martins
O cigarro já começava a esquentar seus dedos. Gostaria de se incendiar literalmente e acabar com aquilo de uma vez por todas. Esperar. Observar. Conhecer. Já estava cansado. Sua vida nada mais era que pedaços de tantas vidas que observara. Sempre à espreita. Sugando a vida alheia. Os detalhes, a sordidez, as pequenas alegrias, as dores. A traição. Todos traíam. De uma forma ou de outra a raça humana era traidora. E pagavam para ele observar e contar. Relatar os fatos.
Noite. Sentado ao volante do carro lançou a bagana do cigarro pela janela. O pequeno bólido incandescente traçou uma curva no ar e morreu no chão cuspindo algumas fagulhas do antigo brilho. Morte.
Todos queriam ter certeza. Interiormente já a tinham. Todos que o contratavam sabiam. Mas precisavam de provas. “Traga-me a certeza!” então ele saia para as noites. Farejando as humanas falhas, os deslizes, as fraquezas.
Encheu o copo da térmica de café. Bebeu um grande gole. Muito doce. Mas gostava. Gostava das coisas doces...
De dentro da escuridão e do silêncio da rua, o cachorro aproximou-se e urinou na roda do carro. Ele sorriu. Gostaria de ser um cachorro e urinar em alguém. Mostrar que não estava nem aí para nada, recusar um trabalho... mijar no pé de um idiota qualquer.
De súbito voltou suas atenções para a casa. Movimento. Levemente a porta abriu-se, uma sombra masculina parecia beijar um vulto que não saia à porta. Sem o acender das luzes ganhou a rua. Mãos no bolso, cabeça baixa.
Era ele sim. Já tinha fotos e gravações suficientes para comprovar. A mulher estava “frita”.
O marido viajando à negócios e ela ali, aproveitando a vida com o advogado da família.
Tentou sentir alguma coisa em relação ao fato. Nada. Raiva: o homem trabalhando e a vagabunda fazendo aquilo... Nada. Não conseguia sentir nada. O marido podia ser um crápula, podia bater na mulher, e esses escapes eram a única forma dela “viver”... Nada. Não conseguia se envolver mais. A vida dos outros começava a acabar para ele. Já não havia nenhum prazer.
Estava morrendo. Se vivia através dos pequenos estratos de vida dos outros, então agora estava morto.
Apanhou a foto da mulher de dentro de um envelope. Mulher bonita, uns trinta e sete anos, olhos tristes e boca sensual. Lembrou do rosto do marido. Homem sisudo e arrogante. Acostumado a mandar. Sobrancelhas espessas e sorriso debochado. Apanhou a foto do advogado. Rapaz jovem e alegre, um olhar que denotava algo de presunçoso... Levantou o rosto para o espelho do carro. Olhou-se. Nada.
No outro dia o marido recebeu um envelope. Um cheiro estranho exalava de dentro. Abriu o envelope enojado e sufocado pelo cheiro. Puxou de dentro algumas fotos e documentos avariados, todos manchados e molhados. Nada podia ser lido ou visto. “Mas o que é isto?” Pensou. Apanhou o telefone. Discou o número que sabia de cor. “O que é isso?” “Nada.” Foi a resposta do outro lado da linha. “Estou saindo.”
“Seu filho da P...” O cheiro começava a empestear a sala. “Que cheiro horrível é esse?”
“Mijo.”
Ronie Von Martins
O cigarro já começava a esquentar seus dedos. Gostaria de se incendiar literalmente e acabar com aquilo de uma vez por todas. Esperar. Observar. Conhecer. Já estava cansado. Sua vida nada mais era que pedaços de tantas vidas que observara. Sempre à espreita. Sugando a vida alheia. Os detalhes, a sordidez, as pequenas alegrias, as dores. A traição. Todos traíam. De uma forma ou de outra a raça humana era traidora. E pagavam para ele observar e contar. Relatar os fatos.
Noite. Sentado ao volante do carro lançou a bagana do cigarro pela janela. O pequeno bólido incandescente traçou uma curva no ar e morreu no chão cuspindo algumas fagulhas do antigo brilho. Morte.
Todos queriam ter certeza. Interiormente já a tinham. Todos que o contratavam sabiam. Mas precisavam de provas. “Traga-me a certeza!” então ele saia para as noites. Farejando as humanas falhas, os deslizes, as fraquezas.
Encheu o copo da térmica de café. Bebeu um grande gole. Muito doce. Mas gostava. Gostava das coisas doces...
De dentro da escuridão e do silêncio da rua, o cachorro aproximou-se e urinou na roda do carro. Ele sorriu. Gostaria de ser um cachorro e urinar em alguém. Mostrar que não estava nem aí para nada, recusar um trabalho... mijar no pé de um idiota qualquer.
De súbito voltou suas atenções para a casa. Movimento. Levemente a porta abriu-se, uma sombra masculina parecia beijar um vulto que não saia à porta. Sem o acender das luzes ganhou a rua. Mãos no bolso, cabeça baixa.
Era ele sim. Já tinha fotos e gravações suficientes para comprovar. A mulher estava “frita”.
O marido viajando à negócios e ela ali, aproveitando a vida com o advogado da família.
Tentou sentir alguma coisa em relação ao fato. Nada. Raiva: o homem trabalhando e a vagabunda fazendo aquilo... Nada. Não conseguia sentir nada. O marido podia ser um crápula, podia bater na mulher, e esses escapes eram a única forma dela “viver”... Nada. Não conseguia se envolver mais. A vida dos outros começava a acabar para ele. Já não havia nenhum prazer.
Estava morrendo. Se vivia através dos pequenos estratos de vida dos outros, então agora estava morto.
Apanhou a foto da mulher de dentro de um envelope. Mulher bonita, uns trinta e sete anos, olhos tristes e boca sensual. Lembrou do rosto do marido. Homem sisudo e arrogante. Acostumado a mandar. Sobrancelhas espessas e sorriso debochado. Apanhou a foto do advogado. Rapaz jovem e alegre, um olhar que denotava algo de presunçoso... Levantou o rosto para o espelho do carro. Olhou-se. Nada.
No outro dia o marido recebeu um envelope. Um cheiro estranho exalava de dentro. Abriu o envelope enojado e sufocado pelo cheiro. Puxou de dentro algumas fotos e documentos avariados, todos manchados e molhados. Nada podia ser lido ou visto. “Mas o que é isto?” Pensou. Apanhou o telefone. Discou o número que sabia de cor. “O que é isso?” “Nada.” Foi a resposta do outro lado da linha. “Estou saindo.”
“Seu filho da P...” O cheiro começava a empestear a sala. “Que cheiro horrível é esse?”
“Mijo.”
A VIDA SOBRE AS NÁDEGAS
" A vida sobre as nádegas - eu já o disse uma vez - é que é o verdadeiro pecado contra o espírito santo..."
(F.Nietzsche em ECCE HOMO)
(F.Nietzsche em ECCE HOMO)
NONADA
"- Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja. Alvejei mira em árvore no quintal, no baixo do córrego. por meu acerto. Todo dia isso faço, gosto; desde mal em minha mocidade. Daí, vieram me chamar. Causa dum bezerro: um bezerro branco, erroso, os olhos de nem ser - se viu -; e com máscara de cachorro. Me disseram; eu não quis avistar. mesmo que por defeito como nasceu, arrebitado de beiços, esse figurava rindo feito pessoa. Cara de cão: determinaram - era o demo. Povo pracóvio. Mataram."
(ROSA, Jão Guimarães. Grande Sertão: Veredas, p.1)
(ROSA, Jão Guimarães. Grande Sertão: Veredas, p.1)
SATOLEP
"SE UM DIA RESTAR ALGUMA SENSAÇÃO QUE DESCREVA O PERÍODO DOS MEUS TRINTA ANOS, SERÁ ESTA: ESTAR EM MIM E EM MEU ENTORNO. EU VOLTAVA E ME VIA VOLTANDO."
"RAMIL,Vitor. Satolep.p.22"
"RAMIL,Vitor. Satolep.p.22"
segunda-feira, 7 de dezembro de 2009
HOMEM SENTADO
HOMEM SENTADO
RONIE VON MARTINS
Engolia todas as dores. E já se acostumara. Não havia dor que não estivesse acostumado a engolir. Todas. Friamente às engolia. As vezes mastigava-as. Lentamente. Tudo ao seu redor era lento. Denso. Tudo era denso. Densidades estratificantes que lhe cobriam, envolviam em camadas. Como uma cebola. Não comia cebolas.
Os movimentos eram raros, da cama ao assento frente a parede que não se abria em janela, mas que se fechava em parede. E mesmo assim, seus olhos paravam ali. No espaço que só o olho do homem sentado conseguia ver. Ver? Seria uma frincha? Existiria a possibilidade do olho buscar e se esgueirar pelos interstícios invisíveis e “impossíveis” da parede?
Comia dores e bebia chimarrão. Amargo e quente. E não escuta o rádio. Mas sempre ligava o aparelho. Uma estação além das vozes chiava dialetos singulares e vetustos. E seus olhos por breves instantes pareciam brilhar.
O tempo era impreciso, já não era possível determinar se era presa de kronos ou Aion, ou se decidira deixar o corpo para um e o resto para o outro. Mas parecia que já havia preenchido seu quinhão de real com várias toneladas de memória e delírio.
Pelo substantivo louco, era definido pela família. Nunca apareciam, mas pagavam uma funcionária para limpara o pequeno apartamento. Ela chegava, lépida, faceira, pequenas e infames piadinhas nos lábios, barriga volumosa e satisfeita, espantando fantasmas e poeira com seu espanador encantado.
Ele ordenava a sua máscara que forçasse um sorriso. Cordialidade. E o que saia era uma careta engraçada que fazia a mulher sorrir e dizer mais besteiras.
A funcionária era um vento. E soprava com força todo o silêncio e a solidão do espaço do homem, mas quando saia, a gravidade puxava-os para baixo. E ele realmente não sabia se gostava do agora ou do antes.
“O que estás vendo?” as vezes a mulher perguntava e ele respondia que via a cidade da memória. E ela ria. Aquecia mais água para a térmica, perguntava se ele não queria trocar a erva. “uma carteira de cigarro” ele dizia, mais que pedia. “Eles disseram que você não pode fumar” e ele sorria. E ela trazia a carteira e ele incendiava o lugar. O fósforo incandescente por segundos frente aos olhos e em seguida a fumaça se esvaindo e abraçando o ar em valsa erótica. Lascívia. “Eles se amam.” Ele dizia. “Quem?” perguntava a mulher. “A fumaça e o ar.” A gargalhada era dela, o silêncio dele. “Você é esquisito mesmo, hein?” “É.”, dizia o verbo pensando na conjunção “e”. Este era o problema. A finitude das coisas e de si mesmo começavam a lhe causar estranhamentos. Gostaria de se ligar a outra oração, acrescentar eternamente. O meio das coisas. O verbo ser. A palavra “é” definia, estagnava e prendia tudo que não deveria ser nas estruturas sedimentares do “é”. O ser.
Ria desta suposta unidade. E se esvaia em fumaça. E dissolvido em nevoa, qual vampiro, perdia-se inteiramente pelas frestas do seu corpo real e organizado.
RONIE VON MARTINS
Engolia todas as dores. E já se acostumara. Não havia dor que não estivesse acostumado a engolir. Todas. Friamente às engolia. As vezes mastigava-as. Lentamente. Tudo ao seu redor era lento. Denso. Tudo era denso. Densidades estratificantes que lhe cobriam, envolviam em camadas. Como uma cebola. Não comia cebolas.
Os movimentos eram raros, da cama ao assento frente a parede que não se abria em janela, mas que se fechava em parede. E mesmo assim, seus olhos paravam ali. No espaço que só o olho do homem sentado conseguia ver. Ver? Seria uma frincha? Existiria a possibilidade do olho buscar e se esgueirar pelos interstícios invisíveis e “impossíveis” da parede?
Comia dores e bebia chimarrão. Amargo e quente. E não escuta o rádio. Mas sempre ligava o aparelho. Uma estação além das vozes chiava dialetos singulares e vetustos. E seus olhos por breves instantes pareciam brilhar.
O tempo era impreciso, já não era possível determinar se era presa de kronos ou Aion, ou se decidira deixar o corpo para um e o resto para o outro. Mas parecia que já havia preenchido seu quinhão de real com várias toneladas de memória e delírio.
Pelo substantivo louco, era definido pela família. Nunca apareciam, mas pagavam uma funcionária para limpara o pequeno apartamento. Ela chegava, lépida, faceira, pequenas e infames piadinhas nos lábios, barriga volumosa e satisfeita, espantando fantasmas e poeira com seu espanador encantado.
Ele ordenava a sua máscara que forçasse um sorriso. Cordialidade. E o que saia era uma careta engraçada que fazia a mulher sorrir e dizer mais besteiras.
A funcionária era um vento. E soprava com força todo o silêncio e a solidão do espaço do homem, mas quando saia, a gravidade puxava-os para baixo. E ele realmente não sabia se gostava do agora ou do antes.
“O que estás vendo?” as vezes a mulher perguntava e ele respondia que via a cidade da memória. E ela ria. Aquecia mais água para a térmica, perguntava se ele não queria trocar a erva. “uma carteira de cigarro” ele dizia, mais que pedia. “Eles disseram que você não pode fumar” e ele sorria. E ela trazia a carteira e ele incendiava o lugar. O fósforo incandescente por segundos frente aos olhos e em seguida a fumaça se esvaindo e abraçando o ar em valsa erótica. Lascívia. “Eles se amam.” Ele dizia. “Quem?” perguntava a mulher. “A fumaça e o ar.” A gargalhada era dela, o silêncio dele. “Você é esquisito mesmo, hein?” “É.”, dizia o verbo pensando na conjunção “e”. Este era o problema. A finitude das coisas e de si mesmo começavam a lhe causar estranhamentos. Gostaria de se ligar a outra oração, acrescentar eternamente. O meio das coisas. O verbo ser. A palavra “é” definia, estagnava e prendia tudo que não deveria ser nas estruturas sedimentares do “é”. O ser.
Ria desta suposta unidade. E se esvaia em fumaça. E dissolvido em nevoa, qual vampiro, perdia-se inteiramente pelas frestas do seu corpo real e organizado.
HELLdebrando
HELLdebrando Pascoal
Ronie Von Martins
Filme de terror: O bandido pega a vítima e fura seus olhos, não podemos dizer a sensação que se estampa em seu rosto, está de costas para a câmera, em seguida – provavelmente sorrindo, prazer que provém das profundezas mais intensas do inferno liga a serra elétrica, os berros desesperados da vítima comungam com o barulho ensurdecedor da serra.
Primeiro os braços e pernas. O sangue tinge as letras do texto e dos jornais. Depois, para deleite de seu espírito doentio amputa o pênis do homem que é - agora – apenas um monte de carnes.
Mas a fera não está satisfeita. Sua fome de morte e sangue não está saciada. A fera precisa de mais... E apanhando um prego, crava-o à marteladas na testa da pobre criatura.
Seria um filme banal, desses que Hollywood adora produzir, cheio de sangue e gente gritando, e que alguns assistem com a boca cheia de pipoca...
O Massacre da Serra elétrica, realização: Hildebrando Pascoal. Gênero? A mais pura realidade brasileira.
Ex-deputado, esse “senhor” está sendo julgado no Acre pelo homicídio do mecânico “Baiano” Agilson Santos Firmino.
E aí nos perguntamos: O mal é real? Palpável? Acredito que sim. Figuras como Hildebrando são exatamente a personificação de tudo que não presta nesta vida. Estão aquém da vida, urubus que se alimentam das dores todas do mundo. Monstros existem sim. Demônios existem. Está comprovado e ponto final.
Comandante de um grupo de extermínio, traficante, já havia assassinado um soldado do corpo de bombeiros... os crimes conhecidos ... Ah, e ainda por cima o digníssimo parlamentar movia dinheiro ilegal usando laranjas para burlar o sistema financeiro nacional.
Nosso “filme” de terror bota qualquer produção Hollywoodiana no bolso. E isso é uma vergonha.
Ronie Von Martins
Filme de terror: O bandido pega a vítima e fura seus olhos, não podemos dizer a sensação que se estampa em seu rosto, está de costas para a câmera, em seguida – provavelmente sorrindo, prazer que provém das profundezas mais intensas do inferno liga a serra elétrica, os berros desesperados da vítima comungam com o barulho ensurdecedor da serra.
Primeiro os braços e pernas. O sangue tinge as letras do texto e dos jornais. Depois, para deleite de seu espírito doentio amputa o pênis do homem que é - agora – apenas um monte de carnes.
Mas a fera não está satisfeita. Sua fome de morte e sangue não está saciada. A fera precisa de mais... E apanhando um prego, crava-o à marteladas na testa da pobre criatura.
Seria um filme banal, desses que Hollywood adora produzir, cheio de sangue e gente gritando, e que alguns assistem com a boca cheia de pipoca...
O Massacre da Serra elétrica, realização: Hildebrando Pascoal. Gênero? A mais pura realidade brasileira.
Ex-deputado, esse “senhor” está sendo julgado no Acre pelo homicídio do mecânico “Baiano” Agilson Santos Firmino.
E aí nos perguntamos: O mal é real? Palpável? Acredito que sim. Figuras como Hildebrando são exatamente a personificação de tudo que não presta nesta vida. Estão aquém da vida, urubus que se alimentam das dores todas do mundo. Monstros existem sim. Demônios existem. Está comprovado e ponto final.
Comandante de um grupo de extermínio, traficante, já havia assassinado um soldado do corpo de bombeiros... os crimes conhecidos ... Ah, e ainda por cima o digníssimo parlamentar movia dinheiro ilegal usando laranjas para burlar o sistema financeiro nacional.
Nosso “filme” de terror bota qualquer produção Hollywoodiana no bolso. E isso é uma vergonha.
Mão na bola
Cada vez me convenço mais que a realidade é virtualidade, e que tudo é maleável de acordo com os interesses do poder. A justiça não passa de uma argumentação. A vergonha acaba se diluindo nos discursos técnicos e a coisa “descamba”, “escorre” longe dos nossos olhos, ou como recentemente vimos; bem diante deles.
Não sei nada de esporte, e peço que perdoem minha intromissão neste nicho particular dos comentaristas esportivos; mas diante de tamanho absurdo não dá pra ficar calado.
Depois do que o Thierry Henry fez contra a Irlanda, perdi todas as esperanças no ser humano. Não. Não tem jeito mesmo. Como vou explicar pra minha filha de nove anos que eu “posso roubar se o juiz não ver”?
Cria-se então uma condicionalidade legal para a “maracutaia”, podemos roubar enquanto a justiça não está atenta - Então estamos “ralados”...dizem por aí que a justiça é cega – e tudo está normal. O que não pode é o juiz ver. O mundo pode enxergar tudo... mas se o juiz não vê... então tá “limpo.”
Deve ser por isso que essa “mão na bola” se instituiu discurso nacional. Enquanto o juiz olha pro outro lado, “dá-lhe mão na bola!”
O noticiário especializado está dizendo que o referido jogador de futebol, atacante da seleção francesa vem anunciando que depois da mão na bola irá se afastar da seleção... essas coisas... Aqui acontece disso também... roubam, roubam e depois “dão um tempo fora da política”, descansar em alguns país tropical... dinheiro não falta, e depois, quando a poeira baixar voltar e se reeleger novamente. E dá-lhe mão na bola.
Recentemente tivemos o “prazer” de assistir pelos telejornais do país outras partidas interessantes desse novo esporte; era mão na bola que não acabava mais. Boladas de dinheiro, que enfiavam pelos bolsos, meias, cuecas... e vamos parar por aqui.
Alguns até rezavam, como os jogadores fazem antes de entrar em “jogo”... Aqueles já tinham o jogo ganho.
Nada é real. Tudo é reflexo, tudo é teatro.
O trágico teatro da vida, onde infelizmente só alguns recebem os aplausos... e o pior, a grande maioria, sem saber aplaude os que zombam de sua ingenuidade.
E o que digo pra minha filha de nove anos? Pode roubar se o juiz não estiver olhando? Prefiro dizer que tudo é ficção: “Não dá bola Luzia, isso é tudo ficção, é como um filme, foi o diretor que mandou.”
Ela me olha com grandes olhos zombeteiros... ela sabe, todo o mundo sabe, menos o juiz.
Fim de jogo... roubou...tá roubado...
...sem chance de marcar outro jogo.
Ronie Von Rosa Martins
Não sei nada de esporte, e peço que perdoem minha intromissão neste nicho particular dos comentaristas esportivos; mas diante de tamanho absurdo não dá pra ficar calado.
Depois do que o Thierry Henry fez contra a Irlanda, perdi todas as esperanças no ser humano. Não. Não tem jeito mesmo. Como vou explicar pra minha filha de nove anos que eu “posso roubar se o juiz não ver”?
Cria-se então uma condicionalidade legal para a “maracutaia”, podemos roubar enquanto a justiça não está atenta - Então estamos “ralados”...dizem por aí que a justiça é cega – e tudo está normal. O que não pode é o juiz ver. O mundo pode enxergar tudo... mas se o juiz não vê... então tá “limpo.”
Deve ser por isso que essa “mão na bola” se instituiu discurso nacional. Enquanto o juiz olha pro outro lado, “dá-lhe mão na bola!”
O noticiário especializado está dizendo que o referido jogador de futebol, atacante da seleção francesa vem anunciando que depois da mão na bola irá se afastar da seleção... essas coisas... Aqui acontece disso também... roubam, roubam e depois “dão um tempo fora da política”, descansar em alguns país tropical... dinheiro não falta, e depois, quando a poeira baixar voltar e se reeleger novamente. E dá-lhe mão na bola.
Recentemente tivemos o “prazer” de assistir pelos telejornais do país outras partidas interessantes desse novo esporte; era mão na bola que não acabava mais. Boladas de dinheiro, que enfiavam pelos bolsos, meias, cuecas... e vamos parar por aqui.
Alguns até rezavam, como os jogadores fazem antes de entrar em “jogo”... Aqueles já tinham o jogo ganho.
Nada é real. Tudo é reflexo, tudo é teatro.
O trágico teatro da vida, onde infelizmente só alguns recebem os aplausos... e o pior, a grande maioria, sem saber aplaude os que zombam de sua ingenuidade.
E o que digo pra minha filha de nove anos? Pode roubar se o juiz não estiver olhando? Prefiro dizer que tudo é ficção: “Não dá bola Luzia, isso é tudo ficção, é como um filme, foi o diretor que mandou.”
Ela me olha com grandes olhos zombeteiros... ela sabe, todo o mundo sabe, menos o juiz.
Fim de jogo... roubou...tá roubado...
...sem chance de marcar outro jogo.
Ronie Von Rosa Martins
sábado, 5 de dezembro de 2009
Assinar:
Postagens (Atom)