sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Uma rua nunca é “só” uma rua

Uma rua nunca é “só” uma rua
Ronie Von Martins

Uma rua nunca é “só” uma rua. Uma rua é um mundo inteiro. E é neste mundo, novo mundo de casas que se olham e de pátios que se tocam que abrimos nossos olhos e estendemos nossos passos. Um passo nunca é “apenas” um passo. Assim como a rua, o passo também é mágico.
Penso nas ruas que se delineiam em minha memória. Casas que ainda me sussurram segredos. Cores antigas que ainda alegram as visões das minhas infância.
E ali. Nas ruas onde meus passos se inscrevem, ainda vejo as pessoas que mais ninguém vê. São minhas, também as pessoas, pois habitam minha memória, e o perfil que delas traço são únicos. Linhas tênues de suas existências que me olham das sombras, das janelas antigas; sob as árvores...
Vejo-me ali. Criança. Distante destes tempos que configuraram minha carne, meu corpo e minha palavra. Era apenas um “guri”, e minhas preocupações eram “caçar” Maria-gorda na valeta logo depois dos trilhos. Brincar de “pescar bonecos de plástico” com minha irmã e comer amoras em cima da amoreira, um Tarzan invadia meus pensamentos de “mandinho”, como os mais velhos me chamavam na escola.
Mágica. De uma sonoridade férrea, a rua se enchia do fluxo do ferro e das velocidades dos homens e dos trens que coabitavam e que amalgamavam. Homens de ferro, trilhos de carne, esperanças sinuosas como as linhas dos trilhos. O ferro era como o sangue que dava vida a minha rua e aos homens que nela pulsavam.
Ainda vejo um pai, sentado juntamente com outros tantos pais, em um trole, impulsionando o pequeno veículo com os pés. Deslizando pelos trilhos das alegrias infantis a descerem seus “ranchos”, mulheres sorrindo, crianças tagarelas e cachorros.
Vários cachorros... na minha infância não havia “cães”. E todo guri tinha um cachorro, e todo cachorro tinha no seu guri o melhor amigo do mundo. E na minha infância não havia o crescer, o trabalhar... estudar era uma imposição. “pra ser alguém na vida”... mas nós, as crianças já éramos tudo que queríamos ser. Éramos alegria, empolgação e imaginação.
As pequenas “calçadinhas” de nossas casas eram verdadeiras poltronas para as nossas conversas e risadas; que eram interrompidas pelos gritos das mães chamando para o banho e para a janta.
E antes de dormir, respirávamos as casas, os trilhos, os jogos, os amigos. Inflávamos os pulmões do ar mágico de nossa rua e nos rendíamos ao sono, que nos surpreendia sempre sorrindo.
E as vozes das casas diminuíam, os trilhos e suas velocidades e seus movimentos e seus caminhos todos, de repente se aninhavam ao nosso redor para cantar algumas antigas canções de dormir.
E nossas mães desligavam nossas ruas com a promessa de re-ligálas totalmente no outro dia.

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