terça-feira, 9 de julho de 2013

“INHO”




Tinha um nome com “inho”. Na verdade não era um nome. Era apelido. Mas era como se fosse.  Ninguém conhecia o outro. Aquele sem o “inho”.  Não sabia se gostava. Não gostava?
Ainda não tinha decidido. Inferioridade ou carinho?  Ou achavam que tinha alguma coisa a ver com feminilidade? O povo começava a colocar um “inho” no final dos nomes e em seguida os “caras” abriam o “jogo”.  Escancaravam.  Mudavam de cor e de lado. Tudo por causa do “inho”.
É. Mas gostava quando a mãe chamava.  Sensação de proteção e carinho. Olha só, lá estava ele novamente.  Começava a desconfiar daquele pedacinho de palavra.
A mãe podia. Mas a gurizada da rua já era sacanagem... tinha alguns nomes que aceitavam legal aquele “inho”. Luíz. Luizinho. Pedro. Pedrinho.  Outros não. O dele era o daqueles. Ficava estranho. Enfraquecia o corpo. O corpo da palavra. Do próprio nome. Tá... deixava mais alegre, mais jovial. Mas quando acentuavam propositalmente o final, aí vinha palhaçada... sacanagem...
Mas e as mulheres? É... elas até que gostavam... e na boca delas até que soava bem aquele maldito “inho”, dava um certo tom de afinidade e prometia certa libidinagem... as palavras são poderosas.
Gostava quando a namorada chamava. Ficava inclusive excitado. Tá... A namorada e as “mulherada” podiam chamar do jeito que quisessem... Mas o encardido do guri filho da vizinha já era sacanagem...
O moleque fazia careta e gritava da porta da casa: “E aí “.......inho?” Uma voz que destilava maldade e maledicência.
Só não chutava a bunda do moleque porque a mãe não deixava: “É só uma criança... não dá bola...” mas o guri era o diabo. “Pô”, até merecia uns tapas. Aquela cara sardenta e desaforada.  Tá... não tinha pai, e podia ser desculpado... mas um pé na bunda não ia traumatizar o capeta...
E o infeliz tinha um nome nada proporcional para o tamanho. Acreditem. Tonhão era o nome do desgraçado. Tonhão! Era por isso que ele tirava “onda” do meu nome. O moleque era um rascunho de gente e tinha um nome que retumbava. E eu tinha um nome que assoviava. Uma vez reclamei pra mãe.  Ela disse que gostava. Não é bonito? Perguntava ela com aqueles olhos grandes de decidir tudo. “É mãe...é bonito...” mas não precisava o “inho”.
“É que você vai ser sempre o meu filhinho...” Sorria ela. Eu levantava e ia pro quarto.  Às vezes o infeliz do Tonhão escrevia o meu nome em um papelão e mostrava na janela. Sacana o guri. Eu apontava o dedo médio para ele. Indicando um lugar determinado. Uma vez a mãe do guri viu o meu movimento de dedo e reclamou para minha mãe. “Atitudes obscenas meu filho?”  as explicações foram longas. E acabaram em um psicólogo. O cara dizia que tudo era bobagem e que era coisa da minha cabeça e essas coisas.  O nome dele era Murilo Aparecido Fontes, mas que eu podia chama-lo de Murilinho.  Só podia ser sacanagem! Olhei pra minha mãe, ela não entendia nada. Levantei e fui embora. 
Vejam bem... não é que eu tenha esses lances de preconceito. Essas coisas de ... ah... cada um tem o direito de escolher as cores de sua bandeira... entenderam... é... é isso. Tá... mas também não é preciso esfregar a “bandeira” na cara das pessoas.
Tá ficando complicado? É... é que é chato. E as pessoas ficavam zoando a gente. E eu sou brabo. Já quero briga. E sei que é burrice. Estupides e essas coisas. Até me arrependo depois. Mas é que é brabo... é muito brabo...
Abandonei o psicólogo, dei desculpa e essas coisas que todo o mundo faz.  Deixei a barba crescer e comecei a fazer cara de malvado. Não “rolou”, e a coisa ficou pior.
Cresci, mudei de cidade, arrumei um emprego legal e acabei com o “inho” do meu nome.  Mas a desgraça me persegue. Depois de vinte anos, estou eu aqui na sala de redação do jornalzinho da minha cidade quando anunciam o novo dono do jornal. Seu Antonio Arruda do Nascimento. O cara entra acompanhado de uma deusa. Mulher linda, loira e extremamente formosa. Os olhos dele caem em mim e eu quase tenho um infarto. Brilham de contentamento. Era o Tonhão.


terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Acuado




Estaria cansado? Sim,claro. Um estado de lassidão. Imensidão de nada. Caminhar no deserto? Sem água? Quase. Quase o deserto. Talvez a multidão. A desértica multidão. Todos e nada.
Qual a estratégia? Haveria alguma? Estavam acostumados a todas as estratégias, agiam como inimigos. Não que houvesse algo para isso. Mas como um tipo, uma personagem, uma posição. A linha que diferenciava.
Tinha certa pena? Sim, claro. Eram jovens, imaturos, fortes e audazes. Mas imaturos. Quase infantis. Sinceridade que escorria da boca. Alegria que se mesclava perigosamente com indelicadeza. Juventude. Agressividade.
E ele. Velho? Sim. Pare eles. Para eles era um velho. O jovem parece desqualificar tudo que não vibra na sua sintonia, no seu gosto.
E ele? Estava cansado.O discurso as vezes se erguia em busca de recepção. Mas já era só retórica. Rebatido pelo desdém, indiferença, impenetrabilidade.
Ouvir? O ouvir era uma coisa impositiva. Ordem, ameaça. E sofria. Pois na ação empenhada, contrariava sua própria forma de pensar. Mas estavam todos dentro  da estética do rebanho. Da ordenação. A sociedade gostava disso. Alguém ordenando, decidindo, dizendo e definindo. Os outros seguindo. Através de mecanismos disciplinares e corretivos.
Quando acabou. Recolheu o material. O trabalho, o resultado. Eles correram para a rua. Alegres, como se estivessem presos, encarcerados. Como se ele, o velho, fosse o carcereiro de suas liberdades. Era?
O café na mesa. O estofado. A perna cruzada. A conversa dos colegas. A mesma. Sempre a mesma. No mural mais afazeres. Reuniões, trabalhos, notas, documentos e mais...
Na bolsa um livro pulsava. Gostaria de abrir. Ler. Ler ainda era um caminho. Sabia. Pelo menos para ele. Nirvana. Religião.