quinta-feira, 22 de setembro de 2011

DE COMO SE DESTRÓI UMA ESTRUTURA OU... ALICE DE PEDRA NA MÃO






Cabelos loiros e de nome Alice. Baixinha e simpática. Sorriso de contar histórias. Fadas e essas coisas. Bela. Sorridente. O pai largou a mão. Mãozinha açucarada da fazer carinho e apontar pequenas e fúteis necessidades. Agachou-se a menina. A pedra chamava. Redonda e pesada. Na palma cabia, se aconchegava. Pedra e mão. Mão e pedra. E o pai distante. Negócios, contas e mulheres, pois era desses que o corpo ardia por qualquer mulher. Fraco. Da carne. Enquanto o corpo permanecia na tolerância e na possibilidade de um provável "bom-comportamento", os olhos e a mente se esbaldavam na luxúria que só a imaginação é capaz. Mas ela era forte. Ela e a pedra. E do outro lado a vidraça e ela e o pai e a pedra. E o mundo que passava atrás, no meio e na frente. Quebrou.

Foi. Pelo ar. E com um "ufa!". Sim, com ponto de exclamativo esforço de menina que arremessa pedra e violência. Desabou a vidraça. Nua a janela e a possibilidade dos traspassamentos. E o pai abriu a boca em espanto que de dentro advém. Espanto. Boquiaberta a janela pelada em vidro que não mais é. Atravessamento. A menina sorri. Sorriso de boca que não se abre em dentes brancos, mas que pelos olhos. Olhos que sorriem o não saber o que se faz. Mas que é bom. Fazer. Em seguida todos os verbos e discursos estariam em combate. Palavras emaranhadas em ríspidas acusações e encabuladas desculpas. Discurso que se desprende, afasta a menina e a outra pedra. As ruas não deveriam ter pedras para as meninas de sorrisos nos olhos. Esta possuía. Possuía todos os desejos selvagens das meninas de cinco anos.

E agora foi o carro. Alvejado. Fera abatida, assustado gemendo, bufando fumaça e impropérios. Mais gente, mais verbos, exclamações que cravavam na sensatez de qualquer decisão. Aturdido, ofendido, humilhado. O pai apanhou outra pedra, grande. Paralelepípedo. Quadrado. Ao ar e aos gritos. Vôo. Cubo voador. Nave espacial, peso puxado. Torpedo que se volta. Revolta. O povo se afasta. E o carro azul parado na rua recebe nas costas o peso. A pedra. E grita. E o povo grita; êxtase.

A menina já está com outra pedra, e as vidraças vão caindo. Logo um senhor velho, carcomido pelo tempo para em frente à menina. Olhos severos. Ela sorri e apanha a pedra que ele oferece. É a destruição.

As pessoas enlouquecidas arrancam as pedras da rua e jogam nas casas, nas lojas nos carros. A polícia chega e é apedrejada. Os políticos chegam e são apedrejados. E abandonam seus postos cargos e carros e apedrejam. Todos de pedras na mão. Mas não há sangue, não há mortes. As pedras procuram o que não é vida. E as mulheres choram e os homens choram. E quebram tudo. E a epidemia toma conta do universo. Pelas ruas, pelas cidades, pelos estados, pelos países. As cidades morrem na estrutura. Na forma e conteúdo.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Ronieev's blog

http://ronieev.wordpress.com/

Este é o link do meu outro Blog com cara nova. Uma espiadinha não dói!

Da beleza e suas medidas



Quando se fala em beleza,  muita coisa vem à baila. Afinal, o que é o belo? A beleza é uma medida? Uma quantidade?  Quem decide o que é belo? Quem avalia a beleza? Quem dá valor aos conceitos do que seria o belo? Quem determina que algo é mais ou menos  belo. Que critérios estéticos são considerados. Que cultura prevalece sobre as outras nesse quesito? Era nisso que pensava enquanto pela internet observava os comentários e reportagens sobre o Miss Universo.
Existirá uma beleza universal? Quem determinaria isso? Se existe uma diversidade, pois nada é mais concreto que a própria diferença, poderia existir um padrão" real" de beleza?
Percebemos o belo, pelo caminho tortuoso da arte que advém dos gregos, e ainda hoje aqueles conceitos de beleza ainda são moeda de troca, valores a serem conquistados e adquiridos na sociedade, da arte até o próprio corpo.  É através desta ótica grega que ainda observamos, consideramos e avaliamos a "beleza".
Mas me pergunto se em um mundo em que, na contemporaneidade, deveria assegura o valor da diferença como atributo afirmativo para a construção de uma identidade que não se atrele mais a conceitos e verdades únicas, e que questionasse as palavras de ordem - pelo menos dentro dos círculos que pensam a sociedade como forma igualitária de se conviver com as singularidades e diferenças -  e os conceitos universalizantes , não estaria, de certa forma, solidificando àqueles antigos conceitos com este tipo de evento?
Vemos a toda hora a exclusão sendo a palavra da vez nos meios midiáticos. E a "beleza" continua a ser um dos critérios de maior exclusão em todas as instituições, em todos os segmentos sociais e culturais. Idealiza-se algo belo, e se faz a busca alucinada para encontrá-lo. Excluindo, ridicularizando, diferenciando, menosprezando, desvalorizando e recusando tudo e todos que não estejam próximos dos padrões estipulados.  Estipulados, determinados e fortemente garantidos por uma mídia, um discurso e um estado de coisas que se beneficia - e muito - disto tudo.
 Falar de um belo universal é excluir as singularidades que compõe as variações da vida na terra, é determinar a superioridade de um estilo, de uma cor, de uma estatura. Desconsiderando  formações estéticas que  diferem através de culturas, subjetividades, gostos, condições econômicas e sociais, regionais etc.
Observando as mulheres que desfilavam, percebia que mesmo sendo diferentes, todas eram iguais. Eram formatadas. Beleza pasteurizada. Um belo construído dentro dos moldes exigidos pelo poder. Um poder que determina  a própria condição de ser e pensar o belo, o que é bom e o que é certo.
E o final de tudo foi uma farsa. Como tantas que encontramos nestes tipos de concursos. A prática do politicamente correto. Já que temos um Presidente americano negro, não seria bonito eleger uma beleza negra?
Só que a beleza negra estava moldada dentro dos critério brancos. Um beleza negra comportada, bem próxima aos padrões europeus e exigidos.
Como afirmei antes, qualquer uma que ganhasse não faria diferença. Eram todas as mesmas, idênticas.  
Na minha triste forma de ver as coisas, não haveria diferença se outra  qualquer fosse escolhida. A beleza é algo subjetivo, o belo está além de critérios e avaliações superficiais.
Me entristeço muito observando estes "circos" antiquados e que ao mesmo tempo instigam  a forma de pensar e agir de uma sociedade. No topo os mais "belos", na base os "feios". Dicotomias que deveriam, em pleno século XXI  já estarem sendo questionadas e sendo postas de lado. Mas infelizmente o que acontece é o contrário.
Uma beleza universal? Piada!!

O verbo suprimido

Publicação no site PANFLETONEGRO da Venezuela!

domingo, 18 de setembro de 2011

AHAB: O VERBO SUPRIMIDO

AHAB: O VERBO SUPRIMIDO

O VERBO SUPRIMIDO

Foi em um dia normal. Qualquer dia de normalidade próxima ao abismo. Mas normal. Todo o dia é dia. E ponto. E acabou. O dia. No ponto. Exato ponto onde já não é mais dia... então ele parou. Opção pensada. Doença cruel e irremediável. Loucura advinda de genes moralmente abalados de um passado obscuro.

Obscuro era o motivo, a razão da ausência do verbo na boca de Ermiliano Girondino.

O silêncio, tal como demônio que possui corpo abandonado de alma, dominara todos os ecos e vibrações sonoras do corpo de Ermiliano. A língua estava morta. Já não havia sibilações, vibrações... como o demo, o som havia sido excomungado para infernos outros. As cordas já não vibravam nem tiniam.



E assim Ermiliano, vulgo seu Liano, continuava sua vida, agora balizada por um silêncio que era seu, mas que por onde passasse mais silêncio assim somava o dele e o do outro e o daquele que ao não ouvir a voz alheia, cansado de a sua ouvir calava o som exterior e falava no cérebro, pra dentro da cabeça e a voz dormia na língua que já não batia.



Na rua, cumprimentava o povo com os olhos grandes e castanhos, e a intensidade e nuances determinava o humor de seu corpo e espírito.



A mulher, ainda longe da velhice, mas já bem distante da mocidade, nos primeiros tempos chorava e implorava para que ele falasse. Ele sorria. Mexia a cabeça afirmativamente ou negativamente. Afagava carinhosamente o rosto da esposa e dormia sorrindo.



No seu silêncio ela foi. Com a filha e o filho. Taxia na porta. Malas e maletas. Desilusão e lágrima. Ainda na cama Ermiliano dormia. E no seu sono ela ia embora. A família emudecera. Já não havia mais.



Então resolveu que o escritório não era adequado para o seu silêncio. Deitou na cama e fez a grande recusa. Desligou o rádio. A televisão.



Um dia, percebido na ausência que permitira a sua percepção, recebeu a visita de um colega de trabalho.

O outro falou. Falou. Argumentou de todas as formas e maneiras que pôde. Nada conseguiu. No telefone chamou outro amigo, e outro. Em seguida uma emissora de TV local estava no local. Todos falavam. Todos perguntavam. O verbo se enroscava entre as línguas ferinas, libidinosas. O verbo lambia o silêncio de forma imoral. O verbo possuía. Estuprava, violentava. Poluía. Ar, rio, matas e cérebros. O verbo se inscrevia nas árvores e as apodrecia, infiltrava-se nas intenções e tudo deturpava ao seu interesse.



Preso e de olhos esbugalhados diante daquele circo de horrores, Ermiliano pensava em chorar. Pensava em morte, suicídio. Seus olhos tentavam através de códigos vários, nuances infindáveis se comunicar com os outros. Mas ninguém ouvia os olhos de Ermiliano, ouviam só o que diziam. Comiam suas próprias palavras. Alimentavam-se da própria carne.



Fotos. Muitas fotos retratavam Ermiliano. A imagem. A imagem e o verbo infernal. Ambos em prol da representação de Ermiliano Girondino.



Já não era ele. Seu Liano que estava ali. Mas sua representação. Resumido em pequenos textos, consumido em artigos pessimamente elaborados. Retorcido através de uma ótica doentia e perversa. Difamado em letras simplórias que construíam um Ermiliano bufão e engraçado. Um bobo? O verbo recortava o perfil. Definia o psicológico. A imagem, correndo atrás, focava o olho excludente de sua visão parcial nos objetos que poderiam significar algo além do que significavam.



A mulher foi encontrada para dar entrevista, ficara famosa. “A mulher do homem sem voz. A mulher do homem mudo. A mulher do sem voz. A mulher do silêncio.” E agora já não chorava. Falava. Possuída pelo verbo. Proferia frente às câmaras fotográficas e aos gravadores sua triste história junta ao marido.



Rejuvenescera. Comprara roupas novas. De alma vendida. Como prêmio recebera as benesses da mídia. Dinheiro casa e alguns contratos.



Sem o mérito da defesa e ausente de voz verbal, Seu Liano foi colocado em um manicômio. Louco.



No primeiro dia tímido, mas já no segundo começou a grande revolução. Coisa nunca antes vista. Falava com os olhos. E os outros entendiam. E tudo começou a silenciar. Vasto e grandioso. Denso e poderoso. O silêncio começou a tomar conta de todos e de tudo. E o verbo começou a ser esquecido. A palavra abolida.



O manicômio era como um grande “buraco negro” na rua, espaço da anti-matéria, e logo em seguida toda a rua começou a emudecer. As pessoas já não queriam falar. Já não havia interesse. O verbo doía, soava estranho em bocas que se contorciam e gargantas que se espremiam em guturais sentidos.



Passado alguns anos um grande silêncio tomara conta de tudo, e o discurso agora era do silêncio. Os gestos eram mais bem entendidos, as expressões faciais estudadas e interpretadas, tratados sobre as nuances e significados do brilho dos olhos eram escritos.

As proximidades eram mais pretendidas que as distâncias. Então os manicômios perderam sua importância e Ermiliano voltou para casa.



Foi em um dia normal. Qualquer dia de normalidade próxima ao abismo. Mas normal. Todo o dia é dia. E ponto. E acabou. O dia. No ponto. Exato ponto onde já não é mais dia... então ele parou. Opção pensada. Doença cruel e irremediável. Loucura advinda de genes moralmente abalados de um passado obscuro. Obscuro era o motivo, a razão da presença do verbo na boca de Ermiliano Girondino.



Então falou.