terça-feira, 1 de maio de 2012

Palavras sopradas




Colocou os óculos. Imagem ampliada. Consciência? Sorria diante da folha virtual. O mundo era virtual. Mas era real também. Realidade em devir. E o sorriso era algo por aí. Misto de chegar e não. Coisa que não se decide em ironia ou dor.  Indecisão. Cisão. E começou.
Escrever. A música alta no pátio procurava caminhos outros. A atenção se esvaindo em nota e letras. Engenheiros. Engenharia. Tudo era engenharia. Pensou.
Concentração. Havia uma necessidade de desligar-se. Precisava articular o texto, a idéia. Articulação. Mas havia uma impossibilidade de determinar o assunto, o tema. Era sobre o escrever?
Era sobre o escrever? Sobre isso. A ação de engendrar letras, palavras, frases, idéias, textos? Era isso. Um sofrimento. Uma alegria.
O sol era um convite. Rua. Vida. Mas a página também era vida. Sua. E as letras também. Coisa de arrepiar. Nômade perambulando em vasto deserto. Erguendo acampamentos moventes em espaços de dimensões perturbadoras?
Sim. Era isso. Avizinhar-se desta condição. Nômade. O deserto era a folha. Lisa. Espaço liso. Criar um mundo. Mesmo que fosse fugaz . Mas um mundo. Não uma fuga. Não uma desculpa. Mas uma luta. Uma guerra. Sim. Tinha que ser isso.
Uma guerra silenciosa. Dobrar e desdobrar os sentidos todos, resistir nas e pelas letras, nas folhas. Brancas como Moby Dick. Assustadoras. Buscar o não-senso do comum. Questão ética. Estética. Algo do gênero.
Fome. Consumir. Então o chimarrão quente. Líquido. A liquidez das coisas. As cheias. Zigmunt. O arrastar. Derretimento. O mundo escorre. E o tempo corre. E corremos nele. Todos. Acabar. Destruir as estruturas da tradição? E depois? Mais estruturas novas e mais sólidas. Sentido? Filosofia pela manhã é mortal! No sábado. Deus! Sinal de problemas, delírio. Loucura?
Brinde então a Artaud. O ácool logo vem. Noite. E as letras se acalmam. E a folha dorme. Branca e ameaçadora. Ilusão... as palavras surgem como exército furioso, desordenado, cuspindo incoerências, mágoas, ironias... teorias alcoolizadas. Palavras-sopro.
Ousar enfrentar a adiposidade estrutural da língua com a agramaticalide do delírio. Então o fim. Com Bartleby "prefiro não".

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