quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Através da garrafa plástica

Ronie Von Rosa Martins


A garrafa pet de água gelada. A travessa de xícaras e o açucareiro. Possibilidades.

A mesa azul e as cadeiras estofadas ao redor. Ao redor todo o silêncio, toda a mordaça do argumento.

E os espaços que se fazem a cada passo dos corpos que se afastam nas proximidades perdidas.

A televisão que observa o mundo através de boca escura, dentes que devoram a imaginação e a imagem em sombra que lá fica. No fundo.

Escrivaninhas que põem suas línguas-gavetas em abusadas caretas de papel e desordem. Outras tão vazias que assustam.

As janelas e seus tapa-olhos coloridos e desbotados pelo sol que agora era a lua. E além da lua minhas palavras. Verbos em cantoria ritualística. Mantra de ausência e presença. Espaços de um devir.

Meu corpo que pela janela não vai, nem salta nem morre. Porém não vive nem grita.

Na perna a corrente funcional e o número. Público serviço a que me presto. Perco-me em tão inusitado estado de apatia. Corpo variante e vago pelo limbo.

Sujeitar o pé no traço de um caminho ido e gasto. Farto.

Parto que se faz diário.

A ordem das classes predispõe noções de antigos e tradicionais regimes. Lembranças do discurso e da palavra de ordem. Imposições dos corpos. Disposições dos corpos. Enfileiramento de memórias, de sonhos, de anseios. Fila. Filamento de imaginação que se tenta domesticar. Adestradores frustrados.

O grande fracasso refletido na xícara transparente. Os discursos são facas. Cortam os comportamentos, definem os pensares. Pensar?

A água já não está tão gelada. Nada mais é tão, ou muito. Tudo é mais ou menos. Tudo é médio. Medíocre.

Será possível se viver na e só na palavra? Minha esperança. Produzir meu suor e meu prazer na palavra. Desistir do corpo escravo. A palavra não é? Minha palavra não é escrava? Do meu corpo e do que o define e circunda?

Na garrafa a água me observa. Ela é o sujeito. Eu, apenas o objeto. Inversão. O corpo abre o espaço dos braços. A mão o dos dedos. E presa esta a garrafa. Já sem a tampa despejo a água.

Água que na terra descobre sempre as melhores brechas. Não há elemento que melhor saiba descobrir seus caminhos. Poucas barreiras. A água. Pelos interstícios das coisas sempre encontra seu corpo. Seus corpos. Ou cada gota já é um corpo? Sem órgãos.

Tampo novamente a garrafa. Prendo todas frustrações. E sobre a mesa observo. O silêncio. A transparência do meu nada. Estará meu espírito na garrafa? Gênio?

Garrafa de plástico.

Nenhum comentário:

Postar um comentário