"...quando precisa inventar novos conceitos para terras desconhecidas, caem os métodos e as morais, e pensar torna-se, como diz Foucault, um "ato arriscado", uma violência que se exerce primeiro sobre si mesmo." (DELEUZE,Gilles. Conversações.p.128)
quarta-feira, 8 de dezembro de 2010
Publicação - Homem sentado - Jornal Jovem
http://www.jornaljovem.com.br/edicao20/excecao.php Link para o meu texto "Homem sentado" no Jornal Jovem.
Oficina
Ronie Von R. Martins
Tenho em mãos, nada. Nem inspiração nem verbo. Vácuo. Tenho, no entanto, a oficina, o oficio. A folha e a letra. Tenho o risco o traço. E nada basta.
Então chuto, e bato. E quebro. E rasgo.
Mordo a palavra. Arranco todos seus sentidos próprios. Todos os impróprios. É minha a oficina de quebrar palavras.
O meu verbo dança com Artaud no precipício. Com Nietzche assassino todos os monumentos de pedra paternal. Pedaços. Espaços.
Escassos todas as verdades. Não há verdade nem caminhos.
Há, sim, um descascar-se por completo. Bartleby diante do muro cego, letra não dita, não-escrita. Ainda. Longe do sentido em que pisam os pés do comum consenso. Distante da linha que abriga os ecos e restos de qualquer tradição.
Na oficina me transmuto em letra. Em pedaço de letra. Em farelo de letra. Em uma não-letra. Aquela que virá com o povo que ainda há de vir. Devir. Letra-devir.
Letra de ouvir. Letra de comer com gosto e fome. Letra de embriagar, de embebedar a carne toda. Letra-sexo, letra-cântico de sereia nua. Crua. Letra em língua de louco que profere, desfere, em reunião pagã, vocábulos de mágica herança. Profundas rezas por veredas ainda não penetradas, perpetuadas, petrificadas pelo olho tolo do interpretador geral. O olho reto e correto do resumidor, do consumidor de arestas, nuanças, pontas, frestas.
- não ao emparelhador, ao pedreiro certeiro das paredes úmidas.
- não ao verbo disciplinador do poema funcionário público.
Em minha oficina. Em minha casa de louco. Em minha folha, em meu texto torto, quebro com marreta e fúria a palavra-pedra-dura. A palavra-pele-tua. E te exponho. E me exponho ao espelho cego.
Não entendes? Pretendes?
Uma idéia clara? Uma idéia morta.
Tenho em mãos, nada. Nem inspiração nem verbo. Vácuo. Tenho, no entanto, a oficina, o oficio. A folha e a letra. Tenho o risco o traço. E nada basta.
Então chuto, e bato. E quebro. E rasgo.
Mordo a palavra. Arranco todos seus sentidos próprios. Todos os impróprios. É minha a oficina de quebrar palavras.
O meu verbo dança com Artaud no precipício. Com Nietzche assassino todos os monumentos de pedra paternal. Pedaços. Espaços.
Escassos todas as verdades. Não há verdade nem caminhos.
Há, sim, um descascar-se por completo. Bartleby diante do muro cego, letra não dita, não-escrita. Ainda. Longe do sentido em que pisam os pés do comum consenso. Distante da linha que abriga os ecos e restos de qualquer tradição.
Na oficina me transmuto em letra. Em pedaço de letra. Em farelo de letra. Em uma não-letra. Aquela que virá com o povo que ainda há de vir. Devir. Letra-devir.
Letra de ouvir. Letra de comer com gosto e fome. Letra de embriagar, de embebedar a carne toda. Letra-sexo, letra-cântico de sereia nua. Crua. Letra em língua de louco que profere, desfere, em reunião pagã, vocábulos de mágica herança. Profundas rezas por veredas ainda não penetradas, perpetuadas, petrificadas pelo olho tolo do interpretador geral. O olho reto e correto do resumidor, do consumidor de arestas, nuanças, pontas, frestas.
- não ao emparelhador, ao pedreiro certeiro das paredes úmidas.
- não ao verbo disciplinador do poema funcionário público.
Em minha oficina. Em minha casa de louco. Em minha folha, em meu texto torto, quebro com marreta e fúria a palavra-pedra-dura. A palavra-pele-tua. E te exponho. E me exponho ao espelho cego.
Não entendes? Pretendes?
Uma idéia clara? Uma idéia morta.
Através da garrafa plástica
Ronie Von Rosa Martins
A garrafa pet de água gelada. A travessa de xícaras e o açucareiro. Possibilidades.
A mesa azul e as cadeiras estofadas ao redor. Ao redor todo o silêncio, toda a mordaça do argumento.
E os espaços que se fazem a cada passo dos corpos que se afastam nas proximidades perdidas.
A televisão que observa o mundo através de boca escura, dentes que devoram a imaginação e a imagem em sombra que lá fica. No fundo.
Escrivaninhas que põem suas línguas-gavetas em abusadas caretas de papel e desordem. Outras tão vazias que assustam.
As janelas e seus tapa-olhos coloridos e desbotados pelo sol que agora era a lua. E além da lua minhas palavras. Verbos em cantoria ritualística. Mantra de ausência e presença. Espaços de um devir.
Meu corpo que pela janela não vai, nem salta nem morre. Porém não vive nem grita.
Na perna a corrente funcional e o número. Público serviço a que me presto. Perco-me em tão inusitado estado de apatia. Corpo variante e vago pelo limbo.
Sujeitar o pé no traço de um caminho ido e gasto. Farto.
Parto que se faz diário.
A ordem das classes predispõe noções de antigos e tradicionais regimes. Lembranças do discurso e da palavra de ordem. Imposições dos corpos. Disposições dos corpos. Enfileiramento de memórias, de sonhos, de anseios. Fila. Filamento de imaginação que se tenta domesticar. Adestradores frustrados.
O grande fracasso refletido na xícara transparente. Os discursos são facas. Cortam os comportamentos, definem os pensares. Pensar?
A água já não está tão gelada. Nada mais é tão, ou muito. Tudo é mais ou menos. Tudo é médio. Medíocre.
Será possível se viver na e só na palavra? Minha esperança. Produzir meu suor e meu prazer na palavra. Desistir do corpo escravo. A palavra não é? Minha palavra não é escrava? Do meu corpo e do que o define e circunda?
Na garrafa a água me observa. Ela é o sujeito. Eu, apenas o objeto. Inversão. O corpo abre o espaço dos braços. A mão o dos dedos. E presa esta a garrafa. Já sem a tampa despejo a água.
Água que na terra descobre sempre as melhores brechas. Não há elemento que melhor saiba descobrir seus caminhos. Poucas barreiras. A água. Pelos interstícios das coisas sempre encontra seu corpo. Seus corpos. Ou cada gota já é um corpo? Sem órgãos.
Tampo novamente a garrafa. Prendo todas frustrações. E sobre a mesa observo. O silêncio. A transparência do meu nada. Estará meu espírito na garrafa? Gênio?
Garrafa de plástico.
A garrafa pet de água gelada. A travessa de xícaras e o açucareiro. Possibilidades.
A mesa azul e as cadeiras estofadas ao redor. Ao redor todo o silêncio, toda a mordaça do argumento.
E os espaços que se fazem a cada passo dos corpos que se afastam nas proximidades perdidas.
A televisão que observa o mundo através de boca escura, dentes que devoram a imaginação e a imagem em sombra que lá fica. No fundo.
Escrivaninhas que põem suas línguas-gavetas em abusadas caretas de papel e desordem. Outras tão vazias que assustam.
As janelas e seus tapa-olhos coloridos e desbotados pelo sol que agora era a lua. E além da lua minhas palavras. Verbos em cantoria ritualística. Mantra de ausência e presença. Espaços de um devir.
Meu corpo que pela janela não vai, nem salta nem morre. Porém não vive nem grita.
Na perna a corrente funcional e o número. Público serviço a que me presto. Perco-me em tão inusitado estado de apatia. Corpo variante e vago pelo limbo.
Sujeitar o pé no traço de um caminho ido e gasto. Farto.
Parto que se faz diário.
A ordem das classes predispõe noções de antigos e tradicionais regimes. Lembranças do discurso e da palavra de ordem. Imposições dos corpos. Disposições dos corpos. Enfileiramento de memórias, de sonhos, de anseios. Fila. Filamento de imaginação que se tenta domesticar. Adestradores frustrados.
O grande fracasso refletido na xícara transparente. Os discursos são facas. Cortam os comportamentos, definem os pensares. Pensar?
A água já não está tão gelada. Nada mais é tão, ou muito. Tudo é mais ou menos. Tudo é médio. Medíocre.
Será possível se viver na e só na palavra? Minha esperança. Produzir meu suor e meu prazer na palavra. Desistir do corpo escravo. A palavra não é? Minha palavra não é escrava? Do meu corpo e do que o define e circunda?
Na garrafa a água me observa. Ela é o sujeito. Eu, apenas o objeto. Inversão. O corpo abre o espaço dos braços. A mão o dos dedos. E presa esta a garrafa. Já sem a tampa despejo a água.
Água que na terra descobre sempre as melhores brechas. Não há elemento que melhor saiba descobrir seus caminhos. Poucas barreiras. A água. Pelos interstícios das coisas sempre encontra seu corpo. Seus corpos. Ou cada gota já é um corpo? Sem órgãos.
Tampo novamente a garrafa. Prendo todas frustrações. E sobre a mesa observo. O silêncio. A transparência do meu nada. Estará meu espírito na garrafa? Gênio?
Garrafa de plástico.
Ruas (1)
Ronie Martins
Um carro. Mais. Outro carro. Tantos. Pessoas várias. Uma. Duas. Todas. Rua. Uma e muitas. Intersecção. Curvas. Becos. Olhos. Dois. Diversos. Um silêncio; não. O som. O barulho, o ruído. Burburinho. Passos, pássaros? Improvável. Tolerável o contato. Corpo. Corpos. Desvios, choques. Odores. Suores. Braços. Movimentos... segmentos.
Movimento e pausa. Continuidade. Continuação. O contínuo da ação. A palavra. Na boca. Na placa. No rádio. O discurso. A intenção. A sujeição. A imposição. O vidro e o cimento. Túmulo? Da donzela? Do conto das antigas fadas?
Vitrine. Desejo e consumação. Angústia. Inveja. Prazer e frustração. Cansaços em degrade. Desilusão em várias nuance. Velocidade. Objetivo.
Chegar. Ir e chegar... se der voltar...
Voltar da rua. Dos caminhos tantos que não são nossos e também o são.
O cão que perambula. O olfato atento. O homem, o flato nauseabundo. O odor do corpo e da rua. O corpo da rua e seu odor. A dor da rua e sua náusea. O cão.
Pela mão a menina. Preso o corpo. A imaginação flutuante. Devora vitrines. Brinquedos e roupas, doces e salgados. Sonhos. Os sonhos da rua devoram-nos. Todos.
Caminhar. Uma perna após a outra. Mover todas as instancias da carne. Produzir o movimento...
Ir...
Vir...
Na rua que se perde sob os pés e cabeças e corpos e odores e presentes e dívidas e sorrisos e tristezas o pássaro voa. Distante. Há silêncio nas alturas de sua rua?
Vastas e escassas carnes desfilam seus panos. Coloridos e estigmatizados com suas grifes. Estimativas de um valor hipotético. Virtual?
Ondulantes carnes se oferecem, outras agridem, afrontam, zombam. Outras, sentadas em propícios ambientes, devoram cadáveres alegremente e bebem água, refrigerantes, café, cerveja e cachaça. Sóbrios começam a caminhada, alguns corpos... ébrios e tontos chegam... ou nunca.
A rua é língua. Lascívia. Um olho que passa encontra outro e se encontram os corpos e se aproximam as vidas e se edificam histórias e memórias e famílias e lendas e mais corpos... para a rua.
Entro no ônibus e fecho os olhos. Vou.
Um carro. Mais. Outro carro. Tantos. Pessoas várias. Uma. Duas. Todas. Rua. Uma e muitas. Intersecção. Curvas. Becos. Olhos. Dois. Diversos. Um silêncio; não. O som. O barulho, o ruído. Burburinho. Passos, pássaros? Improvável. Tolerável o contato. Corpo. Corpos. Desvios, choques. Odores. Suores. Braços. Movimentos... segmentos.
Movimento e pausa. Continuidade. Continuação. O contínuo da ação. A palavra. Na boca. Na placa. No rádio. O discurso. A intenção. A sujeição. A imposição. O vidro e o cimento. Túmulo? Da donzela? Do conto das antigas fadas?
Vitrine. Desejo e consumação. Angústia. Inveja. Prazer e frustração. Cansaços em degrade. Desilusão em várias nuance. Velocidade. Objetivo.
Chegar. Ir e chegar... se der voltar...
Voltar da rua. Dos caminhos tantos que não são nossos e também o são.
O cão que perambula. O olfato atento. O homem, o flato nauseabundo. O odor do corpo e da rua. O corpo da rua e seu odor. A dor da rua e sua náusea. O cão.
Pela mão a menina. Preso o corpo. A imaginação flutuante. Devora vitrines. Brinquedos e roupas, doces e salgados. Sonhos. Os sonhos da rua devoram-nos. Todos.
Caminhar. Uma perna após a outra. Mover todas as instancias da carne. Produzir o movimento...
Ir...
Vir...
Na rua que se perde sob os pés e cabeças e corpos e odores e presentes e dívidas e sorrisos e tristezas o pássaro voa. Distante. Há silêncio nas alturas de sua rua?
Vastas e escassas carnes desfilam seus panos. Coloridos e estigmatizados com suas grifes. Estimativas de um valor hipotético. Virtual?
Ondulantes carnes se oferecem, outras agridem, afrontam, zombam. Outras, sentadas em propícios ambientes, devoram cadáveres alegremente e bebem água, refrigerantes, café, cerveja e cachaça. Sóbrios começam a caminhada, alguns corpos... ébrios e tontos chegam... ou nunca.
A rua é língua. Lascívia. Um olho que passa encontra outro e se encontram os corpos e se aproximam as vidas e se edificam histórias e memórias e famílias e lendas e mais corpos... para a rua.
Entro no ônibus e fecho os olhos. Vou.
Um beijo
Ronie Von Rosa Martins
Responder qualquer pergunta é um martírio. As respostas sempre serão evasivas. Por mais exatas que sejam. Ilusão da pergunta. Uma pergunta jamais terá uma resposta. Sempre uma proximidade distante. Uma zona de avizinhamento, um ter a ver. Uma pergunta é feita sempre sem se esperar a resposta. A pergunta é para marcar o espaço. Para perceber o olho outro, as expressões faciais das possíveis respostas.
Uma pergunta é uma facada. Corte sem possibilidade de cicatrização. Uma pergunta é espaço vago que te come e devora em dentes, sentidos e aproximações.
- Você me ama?
Clássica. Romanesca. Fílmica. Teatral. A fatídica pergunta. Dardo exigindo um coração. Espetá-lo. Atravessá-lo.
Eis o momento da resposta. A busca das palavras. A concatenação da frase.
Amar?
O que é amar. De que forma amar? Intensidade? Não amar?
Os olhos perguntam mais que a boca. A boca exige mais que as palavras. Estas são vagas, soltas. Falta-lhes a força, a veemência.
- Você me ama?
É o silêncio dos olhos que perguntam. Exigem uma resposta além da esperança. Da suspeita.
Amar o corpo. E o calor singular da carne. Amar o toque, o contato. Amar o beijo. Amar.
O que é o amor? Amas a presença, o outro? Sendo este outro? Ou amas no outro o que este não é e desejas? Amar.
Desejas a fala e a voz e a idéia, assim como o rosto, a boca e o sexo?
Amas o outro no que este é ou no que gostarias que fosse?
O ambiente conspira contra mim. Silencioso. As paredes pesadamente respiram sua pressão, impressão sobre meu discurso. Comprimem meu verbo, ordenam a verbal construção. A flor no vaso torce o rosto e me olha. Seu perfume funesto me sufoca. O que é o amor além de um ponto de interrogação?
No peito dela. Um coração aflito já não se aguenta, e é visível o sofrimento. Os olhos umedecem. Lágrimas?
Sim. O amor também é lágrima.
O rosto é belo. O corpo. Mas o verbo? Os verbos são afins? As palavras lavram o mesmo terreno, cantam o mesmo verso, declamam o mesmo poema?
Mas... há necessidade disso? A semelhança será exigida. Sempre. Será amor? Mas e a diferença? Não?
A cantora do rádio silenciou. Também ela, curiosa, espera minha resposta. Minha palavra é silêncio. O discurso é volátil, etéreo. As palavras não dizem.
-Não me amas?
A lágrima despenca derradeira por rosto que se transforma em dor e angústia.
Como não amar? Dizer que não se ama é impossível. Declarar o não-amor é tão tolo como declarar o amor.
O problema do amor é a intensidade desejada. Sempre esperam uma intensidade maior que a que oferecemos. Quero que me ames assim... mas sendo assim não será o meu amor... será o teu. Esta é a intensidade tua, não minha.
Te amo. Mas não como precisas. Não como desejas. Amo teu nome, teu corpo. Tua presença. Amo. Mas amo as letras, os livros, as lendas, as traças. Amo a poesia, o verbo. Amo também o álcool, amo a noite. Os bares. As mulheres. Amo a insensatez do meu discurso.
Amo os cães da rua. Até as pulgas destes cães eu amo. Cada uma com seu universo puro. Seu mundo seguro.
Te amar? Por Deus... te amo como amo minha sombra ao pé. Amo como a sensação da água que molha o corpo. Amo sim. Mas não te amo.
Não te amo como a única. Não te amo como prisão nem posse. Não te amo em casa e lar e família e televisão e cama e programa de domingo. Não.
Não te amo em véu e grinalda. Não te amo em banalidades domésticas.
Sinto. Sinto.
Amo tua ausência. Amo tua imagem indo. Amo tua lágrima salgada. Amo tua dor e a minha. Amo teu nome. ..Te amo neste espaço em que não estas. Amo de tal forma teu desejo de amor que liberto-te para encontrá-lo em outro corpo, verbo e oração.
Um beijo.
Responder qualquer pergunta é um martírio. As respostas sempre serão evasivas. Por mais exatas que sejam. Ilusão da pergunta. Uma pergunta jamais terá uma resposta. Sempre uma proximidade distante. Uma zona de avizinhamento, um ter a ver. Uma pergunta é feita sempre sem se esperar a resposta. A pergunta é para marcar o espaço. Para perceber o olho outro, as expressões faciais das possíveis respostas.
Uma pergunta é uma facada. Corte sem possibilidade de cicatrização. Uma pergunta é espaço vago que te come e devora em dentes, sentidos e aproximações.
- Você me ama?
Clássica. Romanesca. Fílmica. Teatral. A fatídica pergunta. Dardo exigindo um coração. Espetá-lo. Atravessá-lo.
Eis o momento da resposta. A busca das palavras. A concatenação da frase.
Amar?
O que é amar. De que forma amar? Intensidade? Não amar?
Os olhos perguntam mais que a boca. A boca exige mais que as palavras. Estas são vagas, soltas. Falta-lhes a força, a veemência.
- Você me ama?
É o silêncio dos olhos que perguntam. Exigem uma resposta além da esperança. Da suspeita.
Amar o corpo. E o calor singular da carne. Amar o toque, o contato. Amar o beijo. Amar.
O que é o amor? Amas a presença, o outro? Sendo este outro? Ou amas no outro o que este não é e desejas? Amar.
Desejas a fala e a voz e a idéia, assim como o rosto, a boca e o sexo?
Amas o outro no que este é ou no que gostarias que fosse?
O ambiente conspira contra mim. Silencioso. As paredes pesadamente respiram sua pressão, impressão sobre meu discurso. Comprimem meu verbo, ordenam a verbal construção. A flor no vaso torce o rosto e me olha. Seu perfume funesto me sufoca. O que é o amor além de um ponto de interrogação?
No peito dela. Um coração aflito já não se aguenta, e é visível o sofrimento. Os olhos umedecem. Lágrimas?
Sim. O amor também é lágrima.
O rosto é belo. O corpo. Mas o verbo? Os verbos são afins? As palavras lavram o mesmo terreno, cantam o mesmo verso, declamam o mesmo poema?
Mas... há necessidade disso? A semelhança será exigida. Sempre. Será amor? Mas e a diferença? Não?
A cantora do rádio silenciou. Também ela, curiosa, espera minha resposta. Minha palavra é silêncio. O discurso é volátil, etéreo. As palavras não dizem.
-Não me amas?
A lágrima despenca derradeira por rosto que se transforma em dor e angústia.
Como não amar? Dizer que não se ama é impossível. Declarar o não-amor é tão tolo como declarar o amor.
O problema do amor é a intensidade desejada. Sempre esperam uma intensidade maior que a que oferecemos. Quero que me ames assim... mas sendo assim não será o meu amor... será o teu. Esta é a intensidade tua, não minha.
Te amo. Mas não como precisas. Não como desejas. Amo teu nome, teu corpo. Tua presença. Amo. Mas amo as letras, os livros, as lendas, as traças. Amo a poesia, o verbo. Amo também o álcool, amo a noite. Os bares. As mulheres. Amo a insensatez do meu discurso.
Amo os cães da rua. Até as pulgas destes cães eu amo. Cada uma com seu universo puro. Seu mundo seguro.
Te amar? Por Deus... te amo como amo minha sombra ao pé. Amo como a sensação da água que molha o corpo. Amo sim. Mas não te amo.
Não te amo como a única. Não te amo como prisão nem posse. Não te amo em casa e lar e família e televisão e cama e programa de domingo. Não.
Não te amo em véu e grinalda. Não te amo em banalidades domésticas.
Sinto. Sinto.
Amo tua ausência. Amo tua imagem indo. Amo tua lágrima salgada. Amo tua dor e a minha. Amo teu nome. ..Te amo neste espaço em que não estas. Amo de tal forma teu desejo de amor que liberto-te para encontrá-lo em outro corpo, verbo e oração.
Um beijo.
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