Tinha
um nome com “inho”. Na verdade não era um nome. Era apelido. Mas era como se
fosse. Ninguém conhecia o outro. Aquele
sem o “inho”. Não sabia se gostava. Não
gostava?
Ainda
não tinha decidido. Inferioridade ou carinho?
Ou achavam que tinha alguma coisa a ver com feminilidade? O povo
começava a colocar um “inho” no final dos nomes e em seguida os “caras” abriam
o “jogo”. Escancaravam. Mudavam de cor e de lado. Tudo por causa do
“inho”.
É.
Mas gostava quando a mãe chamava.
Sensação de proteção e carinho. Olha só, lá
estava ele novamente. Começava a
desconfiar daquele pedacinho de palavra.
A mãe podia. Mas a gurizada da rua já
era sacanagem... tinha alguns nomes que aceitavam legal aquele “inho”. Luíz.
Luizinho. Pedro. Pedrinho. Outros não. O
dele era o daqueles. Ficava estranho. Enfraquecia o corpo. O corpo da palavra.
Do próprio nome. Tá... deixava mais alegre, mais jovial. Mas quando acentuavam
propositalmente o final, aí vinha palhaçada... sacanagem...
Mas e as mulheres? É... elas até que
gostavam... e na boca delas até que soava bem aquele maldito “inho”, dava um
certo tom de afinidade e prometia certa libidinagem... as palavras são
poderosas.
Gostava quando a namorada chamava.
Ficava inclusive excitado. Tá... A namorada e as “mulherada” podiam chamar do
jeito que quisessem... Mas o encardido do guri filho da vizinha já era
sacanagem...
O moleque fazia careta e gritava da
porta da casa: “E aí “.......inho?” Uma voz que destilava maldade e
maledicência.
Só não chutava a bunda do moleque porque
a mãe não deixava: “É só uma criança... não dá bola...” mas o guri era o diabo.
“Pô”, até merecia uns tapas. Aquela cara sardenta e desaforada. Tá... não tinha pai, e podia ser
desculpado... mas um pé na bunda não ia traumatizar o capeta...
E o infeliz tinha um nome nada
proporcional para o tamanho. Acreditem. Tonhão era o nome do desgraçado. Tonhão! Era por isso que ele tirava
“onda” do meu nome. O moleque era um rascunho de gente e tinha um nome que
retumbava. E eu tinha um nome que assoviava. Uma vez reclamei pra mãe. Ela disse que gostava. Não é bonito?
Perguntava ela com aqueles olhos grandes de decidir tudo. “É mãe...é bonito...”
mas não precisava o “inho”.
“É que você vai ser sempre o meu
filhinho...” Sorria ela. Eu levantava e ia pro quarto. Às vezes o infeliz do Tonhão escrevia o meu
nome em um papelão e mostrava na janela. Sacana o guri. Eu apontava o dedo
médio para ele. Indicando um lugar determinado. Uma vez a mãe do guri viu o meu
movimento de dedo e reclamou para minha mãe. “Atitudes obscenas meu
filho?” as explicações foram longas. E
acabaram em um psicólogo. O cara dizia que tudo era bobagem e que era coisa da
minha cabeça e essas coisas. O nome dele
era Murilo Aparecido Fontes, mas que eu podia chama-lo de Murilinho. Só podia ser sacanagem! Olhei pra minha mãe,
ela não entendia nada. Levantei e fui embora.
Vejam bem... não é que eu tenha esses
lances de preconceito. Essas coisas de ... ah... cada um tem o direito de
escolher as cores de sua bandeira... entenderam... é... é isso. Tá... mas
também não é preciso esfregar a “bandeira” na cara das pessoas.
Tá ficando complicado? É... é que é
chato. E as pessoas ficavam zoando a gente. E eu sou brabo. Já quero briga. E
sei que é burrice. Estupides e essas coisas. Até me arrependo depois. Mas é que
é brabo... é muito brabo...
Abandonei o psicólogo, dei desculpa e
essas coisas que todo o mundo faz.
Deixei a barba crescer e comecei a fazer cara de malvado. Não “rolou”, e
a coisa ficou pior.
Cresci, mudei de cidade, arrumei um
emprego legal e acabei com o “inho” do meu nome. Mas a desgraça me persegue. Depois de vinte
anos, estou eu aqui na sala de redação do jornalzinho da minha cidade quando
anunciam o novo dono do jornal. Seu Antonio Arruda do Nascimento. O cara entra
acompanhado de uma deusa. Mulher linda, loira e extremamente formosa. Os olhos
dele caem em mim e eu quase tenho um infarto. Brilham de contentamento. Era o
Tonhão.